Se você não viu a primeira parte da resenha, pode encontrá-la aqui.

Para compreendermos as razões que levaram Ayn Rand a se posicionar da forma como se posicionou e defender os valores que defende, é necessário que tentemos percorrer (ou ao menos rastrear) os passos da próprio trajetória de vida da autora. Ayn Rand nasceu em São Petersburgo em 1905 e presenciou os eventos e as transformações da Revolução Russa de 1917 antes de mudar-se para os Estados Unidos, em 1926.

No tempo em que morou na Rússia (e União Soviética, no pós-1917), a autora presenciou a implementação de profundas reformas na estrutura governamental russa, a transformação da sociedade russa de acordo com os preceitos do comunismo. A economia planificada foi uma das principais características da economia russa pós Revolução, na qual os célebres Planos Qüinqüenais, por exemplo, traçavam linhas organizativas e regulamentavam as atividades econômicas e produtivas, entre outras coisas, no intuito de justamente refrear a incontrolabilidade que caracteriza a “natureza” do capitalismo.

É justamente contra essa regulamentação que se posiciona o liberalismo (e de maneira mais acirrada o neoliberalismo) bem como Ayn Rand o fez. A autora se formou em Filosofia e foi fortemente influenciada por um idealismo que exorta a capacidade do homem a qualquer custo, reconhecendo-a como a manifestação máxima da existência humana. Essa capacidade, que só torna válida quanto canalizada em objetivos (a autora é conhecida, inclusive, por uma filosofia “objetivista”), e deve ser guiada por um racionalismo muito focado (demasiadamente focado, a meu ver), que procure remover quaisquer obstáculos que possam se opor em seu caminho, como sentimentos ou quaisquer outras influências que não venham estritamente do cérebro.

Seguindo nessa linha é que o segundo volume da obra, Isto ou Aquilo, segue. Dagny e Hank se tornam amantes e partem em uma viagem pelo interior dos Estados Unidos buscando relaxar das intempéries trazidas pelas últimas notícias, que anunciaram que um decreto, o Decreto 10.289, passara a vigorar e estabelecer regulamentações que visem uma concorrência equilibrada, de modo que as empresas de ambos os personagens (a Taggart Transcontinental e a Metalúrgica Rearden) tenham certos benefícios cerceados de modo a não produzir um crescimento desigual.

A virulência da autora contra essas regulamentações é evidente, e o tom elegíaco que ela dirige aos empresários (que são, a seu ver, os protagonistas tanto do livro quanto da civilização ocidental) beira o fanatismo. Rand sanciona uma divisão entre empresários, os capazes, guardiões da evolução e da civilização; e os demais, cuja existência é vista como mais um peso sobre os ombros dos “pobres” (sic) “Atlas” sobre cujos ombros repousa o ônus de manutenção do mundo. Rand atualiza e subverte o romance de Sinclair Lewis, de modo que o Babbitt desajeitado, que almejava deixar a aridez espiritual corporativa dos anos 20 se transmuta nos aguerridos industriais, gerentes, chefes, verdadeiros baluartes do mundo.

A regulamentação econômica do mundo o está ameaçando, os grandes conglomerados industriais e empresariais (qualquer semelhança com as mega corporações opressoras de Neuromancer não é mera coincidência) estão sendo abandonados por seus mentores misteriosamente. Alguém está por trás dessas deserções, mas quem será? Dagny e Hank se preocupam com isso ao mesmo tempo em que encontram, em uma dessas fábricas abandonadas, o esboço de um motor que se anuncia como o pivô de uma nova revolução industrial.

Os heróis de A revolta de Atlas vão agora lutar obstinada e, segundo transparece na obra, altruistamente por manterem seu lugar e a própria civilização andando nos seus trilhos. Eles tentarão lutar contra as deserções de seus irmãos abastados e fazer com que o mundo continue existindo da forma como eles o conhecem. Num mundo de CEOs superstar, mega magnatas especuladores e grupos financeiros literalmente “podres de ricos”, não é à toa que durante a crise de 2008 o romance de Ayn Rand tenha voltado a vender grande quantidade de exemplares. A realidade que influenciou a autora ainda está profundamente viva na nossa própria.

Há mais uma resenha a ser feita, acerca do volume III, fiquem atentos.