Ugla  é a palavra islandesa para coruja. Além disso, também é o nome da jovem protagonista do romance A Estação Atômica, de Hálldor Laxness. Ao contrário do animal que lhe empresta o nome, porém, nada na garota remete à sabedoria: originária do norte da Islândia, uma região pouco habitada e pouco desenvolvida, ela não conhece o mundo fora da minúscula aldeia em que vive, um lugar onde as Sagas Islandesas e os Eddas são mais importantes do que praticamente qualquer outra coisa.

Quando ela deixa seu lar para ir trabalhar na casa de Búi Árland, membro do Althing – o parlamento islandês, que é o mais antigo do mundo, fundado em 930 – e aprender a tocar órgão, vai se confrontar com um mundo completamente novo, na forma da cidade de Reykjavík. Para piorar as coisas, ela chega na capital em 1946: o país está prestes a ser ‘vendido’ para os americanos, ou seja, em breve o primeiro-ministro autorizará que eles instalem uma base militar em solo islandês. De modo concomitante, o cadáver do poeta J. Hallgrímsson, estão para ser trazidos da Dinamarca para repousarem, agora, em solo Islandês.

Nesse clima, a ingenuidade de Ugla rapidamente é perdida. Ela aprende a lidar com os filhos mimados de seus patrões, o medo insano que sua patroa tem dos comunistas e as investidas de seu patrão. Acaba se envolvendo em células comunistas e anarquistas, nas quais só não é mais assídua do que à casa do Organista – seu singular professor de órgão.

A Estação Atômica é uma obra singular. Um dos poucos romances de Laxness narrados em primeira pessoa, reflete um dos poucos tempos de tumulto da Islândia contemporânea. De modo satírico, ele cria um mundo semimístico, em que o Organista apresenta Ugla à deuses – que podem ou não ser o que parecem.

Já tendo abandonado o catolicismo e sendo um comunista confesso na época em que escreveu o livro, Laxness não se furta a retratos – talvez tendenciosos, é verdade, mas não por isso menos interessantes – da religiosidade islandesa: de um lado a colega de trabalho convertida ao mormonismo, que pretende livrar-se de seus pecados para que consiga saltar mais alto no Dia de Todos os Santos, mas que no entanto mostra-se uma pessoa de caráter um tanto quanto duvidoso; de outro, temos o padre da cidade natal de Ugla, que sugere a ela não entregar seu bebê ao Deus cristão, nem aos deuses antigos – por mais que eles sejam bons deuses -, mas à natureza.

A Estação Atômica pode não ser tão celebrado quanto Gente Independente, considerado por muitos a obra máxima de Laxness. Em minha opinião, porém, é um livro igualmente rico – apenas menos épico – e, talvez, muito mais corajoso: não só Ugla é uma personagem que está à frente de seu tempo, como o romance colocou Laxness à frente de seu tempo (e, de quebra, lhe valeu a entrada para a lista negra do Comitê de Investigação de Atividades Anti-Americanas do Senado dos EUA).

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