O sul-africano John Maxwell Coetzee, vencedor do Nobel de literatura e de dois Man Booker, pode ser considerado como um dos escritores mais importantes e influentes de nosso tempo. Suas reflexões a respeito da literatura e da cultura permeiam sua obra literária, de modo que é fácil perceber a importância que ele dá à criação literária.
Talvez por isso não seja surpreendente ler Inner workings, um volume que reúne escritos sobre a literatura literários, que Coetzee publicou entre 2005 e 2010, e deparar-se com reflexões não apenas sobre as obras, mas sobre seus criadores, e a relações entre as duas coisas. São vinte e um textos, em sua maior parte sobre autores de língua alemã ou língua inglesa, mas não apenas.
E é excepcional a propriedade com que Coetzee fala sobre os escritores e suas obras. Ao falar sobre Italo Svevo, por exemplo, ele parece conhecer a fundo a vida e a obra do autor, assim como as versões originais e as traduções. E isso não é um caso isolado, mas uma constante em todos os textos. Os mais interessantes, porém, ainda vão além.Por exemplo, é ao reler Passos de Caranguejo, do alemão Günter Grass, que Coetzee tem um de seus melhores momentos. Ele disseca o discurso que Grass utiliza para mostrar o quanto a reticência alemã em assumir o fato de que a Segunda Guerra Mundial foi, também, uma tragédia da Alemanha, fortalece e recria a extrema direita.
Outro texto poderoso é sobre Walter Benjamin. Coeztee cria uma singular revaloração do marxismo de Walter Benjamin ao defini-lo quase que como um resultado acidental de um complexo – e não totalmente satisfatório para nenhum lado, aparentemente – romance com a dramaturga lituana Asja Lacis.
No textos sobre William Faulkner e sobre Paul Celan, terceiros entram em jogo: os biógrafos do primeiro e os tradutores do segundo. Enquanto mostra o quanto o americano foi dilapidado e diminuído por seus biógrafos – com especial ênfase no tratamento dado à seu alcoolismo – refaz os caminhos tomados pelos tradutores do poeta judeu romeno e utiliza-os para evocar o poder da memória.
Destaco ainda – um pouco por preferências pessoais – os textos sobre Sándor Márai e Bruno Schulz. Ao falar de Schulz, Coetzee lança mão de suas relações, suas amizades com Witkiewicz e Gombrowicz. Já Márai é objeto de uma visão negativa, considerado antiquado e não realizador de suas potencialidades.
Em muitos textos Coetzee fala sobre uma infinidade de obras que me são estranhas. Ele, porém, é plenamente capaz de despertar a vontade de conhecer determinado autor e seus livros. Quiçá lê-los e voltar a ler seus ensaios, quem sabe até de modo concomitante aos livros – a ousadia presente em alguma de suas observações não impede que, em alguns momentos, Coetzee assuma um tom ligeiramente professoral.
Em tempo: eu li a edição original em inglês, mas o livro foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras, no primeiro semestre desse ano.
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