Quando abri as primeiras páginas de “Daytripper”, dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá (vencedores do Eisner desse ano), pensei que estaria ali uma história sobre uma pessoa que não consegue realizar seus maiores sonhos e que não sabe como se relacionar com seus pais – e vive à sombra desses . Ou seja, mais uma leitura sobre uma pessoa infeliz que debandaria em uma série de questões semi-existenciais, dispensáveis e superficiais. Claro que eu estava enganado em grande parte.

Lançado originalmente no exterior e superando, na lista de best-sellers do New York Times, títulos como “Scott Pilgrim” e “The Walking Dead”, a história de Brás de Oliva Domingos, escritor de obituários de um jornal de São Paulo, começa no dia de seu aniversário, aparentemente esquecido pelas pessoas graças a uma homenagem ao seu pai – um escritor reconhecido mundialmente e a quem Brás se inspira para ser um grande autor também – no Theatro Municipal. São dez capítulos mostrando Brás na infância, na faculdade, após os 30, etc. Optando por usar cada capítulo como um ano de mudanças na vida de seu personagem principal – o que torna cada decisão um jogo valendo sua vida -, Bá e Moon acertam ao revelarem aos poucos a relação com o pai, com o amigo Jorge, seus casos amorosos e com seu filho.

Daytripper é uma história sobre o cotidiano, sobre o dia a dia, tudo pode acontecer quando decisões são tomadas, sejam elas de uma frieza calculada ou de atitudes impensadas. Não importa. O que importa é que todo dia as pessoas podem acordar e conhecer o amor de suas vidas ou podem ser atropeladas – e isso não é visto como uma fatalidade pelo olhar dos gêmeos, é o caminho natural. Aliás, esse conceito de banalidade e destino é o grande atrativo da obra, todas as pessoas podem se identificar com Brás indo a casa dos avós no interior quando pequeno ou como tudo parece impedir com que ele conheça seu filho no dia do nascimento.

O problema mais incisivo é o sentimentalismo, principalmente chegando perto do fim, parece que tudo beira a ensinamentos de vida – aceitar o destino, perdoar, se encontrar, etc. -, e essa insistência retira a força e naturalidade da história, tornando o desfecho de pouco menos da metade dos capítulos previsíveis. Contudo, se não existem esses momentos mais cheesy, seria difícil reconhecer os bons momentos que Bá e Moon proporcionam – acima de tudo com seus traços inconfundíveis (confundíveis se tentarmos descobrir quem da dupla fez qual página) e uma coloração surpreendente, pelas mãos de Dave Stewart, que dá uma aspecto sexy e quente.

Como diria Chris Marker: “Após viajar o mundo todo, só a banalidade me interessa”, Daytripper é sobre a banalidade do nosso cotidiano, retratado com extrema sensibilidade e realismo – e se existe sentimentalismo de mais em alguns momentos, é porque na vida tudo há em demasia em algum ponto dela.