A história é simples: um homem entra no ônibus e vê um rapaz – cujo pescoço parece se destacar, bem como o chapéu, ao redor do qual há um barbante – reclamar de ser pisado ou cutucado por um outro homem. Um lugar vaga e o reclamão corre para lá. Duas horas mais tarde o mesmo homem que entrara no ônibus reencontra o jovem pescoçudo, recebendo dicas de moda de um amigo. E só. Nada mais.
Raymond Queneau, um dos fundadores do grupo de experimentação literária Oulipo – do qual participaram Perec e Calvino – aproveita esse fragmento de banalidade para exercitar sua virtuosidade literária. O resultado, Exercícios de Estilo, não poderia ser mais curioso.
Trata-se, pura e simplesmente, de 99 versões dessa mesma história, recontada das maneiras mais diversas. Alternam-se diferentes pontos de vista, opiniões, formas textuais e brincadeiras com as palavras. Existe, por exemplo, um lipograma (texto escrito sem a utilização de uma letra pré-definida) para cada vogal. Em outra ocasião, Queneau dá voz a um narrador irritado, que ofende tudo e todos. Não deixa de lado nem uma versão feita apenas com onomatopeias ou ainda versos perfeitamente rimados e metrificados, em diferentes formas.
O livro é interessantíssimo, e mostra toda a potência linguística da escrita de Queneau. Por outro lado, porém, é um pouco cansativo: em dado momento enjoa-se das inúmeras versões com altercações de letras, ou outras experimentações do gênero.
Mas de forma alguma isso é um demérito. São, afinal, exercícios. Mostram, paradoxalmente, certo despeito e certo preciosismo formal – pois toda e qualquer forma acaba sendo adaptada para conter a mesma história.
Errata: Esqueci de citar que a tradução foi feita por Luiz Rezende – a partir do francês. Raymond Queneau era da terra de Joana D’Arc e não sabia a língua de Camões.
Segundo seu texto, Queneau “metrifica” e “rima” perfeitamente em português!!!!!!!!!!!!
Já lhe ocorreu que você próprio faz da versão em português “brasileiro”, sem citar a fonte, assemelha-se a ignorância (hipótese fraca) ou plágio (hipótese verossimilmente forte)…
Não defendo autarquias linguísticas mas, para textos marcadamente idiomáticos, é claro que existe uma diferença… além mais, há uma edição portuguesa, em “outro idioma”.
Enfim, e voltando ao asunto, seu texto é ingênuo – como se você estivesse lendo “Queneau” em português – ou pesadamente ignorante, porque ignora como o texto “nasceu” em português bem daqui.
Seja mais curioso – ou cuidadoso – com o que lê e escreve, para o futuro.
Sem mais,
Luiz Rezende
Acho que talvez o grande problema da resenha tenha sido eu esquecer de citar o tradutor. Um erro imperdoável, é verdade, ainda mais considerando que a tradução me parece bastante boa (mas, dizer tal coisa é sempre um despropósito, eu sei – quem define os critérios para que a tradução seja boa ou ruim é o próprio tradutor, e eu não poderia dizer nada). Mas ei-lo: simpatia de ser humano, sempre com comentários construtivos e que fazem sentido.
De qualquer maneira, eu li Queneau em português. E o Queneau que eu li em português rima e metrifica perfeitamente nessa língua. Mesmo que o Queneau em português seja, na verdade, um tradutor pouco educado. Em francês? Não saberia dizer. E tomo o cuidado de não tentar, já que não entendo bem esse idioma.
Aliás, o que é que eu faço da versão em português “brasileiro”? Faltou um verbo nessa frase, eu acho. Li com bastante cuidado, asseguro.
Luiz, por favor, continue com as ótimas traduções. Tome mais cuidado ao comentar coisas na internet, no futuro.
Sem mais,
Luciano R. Mendes
Parabéns pela educada resposta. Ponderadíssima e pertinente!!
Luciano e equipe, olá!
Obrigado por multiplicarem um autor tão convidativo quanto o Queneau.
Conheci alguns trabalhos do Raymond hoje e pretendo baixar a obra traduzida ao português.
Parabéns pela página e pelo trabalho.
Brasil