A história é simples: um homem entra no ônibus e vê um rapaz – cujo pescoço parece se destacar, bem como o chapéu, ao redor do qual há um barbante – reclamar de ser pisado ou cutucado por um outro homem. Um lugar vaga e o reclamão corre para lá. Duas horas mais tarde o mesmo homem que entrara no ônibus reencontra o jovem pescoçudo, recebendo dicas de moda de um amigo. E só. Nada mais.

Raymond Queneau, um dos fundadores do grupo de experimentação literária Oulipo – do qual participaram Perec e Calvino – aproveita esse fragmento de banalidade para exercitar sua virtuosidade literária. O resultado, Exercícios de Estilo, não poderia ser mais curioso.

Trata-se, pura e simplesmente, de 99 versões dessa mesma história, recontada das maneiras mais diversas. Alternam-se diferentes pontos de vista, opiniões, formas textuais e brincadeiras com as palavras.  Existe, por exemplo, um lipograma (texto escrito sem a utilização de uma letra pré-definida) para cada vogal. Em outra ocasião, Queneau dá voz a um narrador irritado, que ofende tudo e todos. Não deixa de lado nem uma versão feita apenas com onomatopeias ou ainda versos perfeitamente rimados e metrificados, em diferentes formas.

O livro é interessantíssimo, e mostra toda a potência linguística da escrita de Queneau. Por outro lado, porém, é um pouco cansativo: em dado momento enjoa-se das inúmeras versões com altercações de letras, ou outras experimentações do gênero.

Mas de forma alguma isso é um demérito. São, afinal, exercícios. Mostram, paradoxalmente, certo despeito e certo preciosismo formal – pois toda e qualquer forma acaba sendo adaptada para conter a mesma história.

Errata: Esqueci de citar que a tradução foi feita por Luiz Rezende – a partir do francês. Raymond Queneau era da terra de Joana D’Arc e não sabia a língua de Camões.