James Baldwin é um dos vários nomes da literatura estadunidense que se dedicaram a denunciar o racismo e criticar a segregação racial que permeou a sociedade do país, principalmente aquela que dominou o século XX. Conquanto seja conhecido principalmente por sua luta no campo dos direitos civis dos negros, ele também atuou na defesa dos direitos dos homossexuais.

O livro Giovanni (ou Giovanni’s room, no original [O quarto de Giovanni]), segundo romance do autor, publicado em 1956, trata principalmente da questão dos homossexuais, sendo que, curiosamente, não há nesse livro nenhum personagem negro. A edição a qual eu tive acesso, publicada pela editora Civilização Brasileira na ótima coleção Biblioteca do Leitor Moderno, contava com a orelha escrita por Paulo Francis, que escreveu algo que nos ajuda a entender Giovanni. Segundo ele, Baldwin criticou outros autores estadunidenses que também trataram dos direitos dos negros na sociedade americana, como Paul Green e Richard Wright, justamente porque enquanto a questão do negro não fosse encarada do ponto de vista humanista, ou seja, em uma acepção ampla, que dissesse respeito não só aos negros, mas a todos enquanto seres humanos, seus resultados seriam também restritos.

O élan do romance, portanto, pode começar a ser entendido a partir dessa colocação de Paulo Francis, já que, não apenas pelos personagens e questões, mas também pelo tratamento dado a trama, fica um tanto distante considerarmos Giovanni um livro que versa sobre a situação dos negros. Ao lidar com um relacionamento amoroso entre dois homens na Paris do século XX, Baldwin falava de forma análoga sobre o negro, tocando-o enquanto membro da humanidade, o que, por conseguinte, lhe faz comungar com um constructo de saberes e relações que lhe dizem respeito tanto quanto qualquer outro ser humano existente. Não se trata de igualdade por generalização abstrata, mas sim do reconhecimento da diferença pela reciprocidade.

A história se passa na romântica Paris, local por onde perambulam David (o narrador), sua namorada Hella, dois americanos que resolveram conhecer os encantos do Velho Mundo; e outros amigos, como Guillaume e Jacques, além, é claro, do homem com que o narrador se envolve, o enigmático Giovanni. Durante as madrugadas de conversas, risos e vida boêmia pelos bares e cafés de Paris, a atração do casal central do livro começa a se desenvolver, e antes que percebam, Giovanni e David se veem emaranhados em um relacionamento amoroso que começa tímido, mas que vai se aprofundando (e chegando a extremos) em pouco tempo.

A namorada de David decide passar uma temporada na Espanha, deixando o caminho livre para que ele, após algumas reviravoltas, constrangimentos e resistências, acabe indo dividir um quarto com Giovanni, onde partilham de uma tórrida relação amorosa. Giovanni se entrega com paixão ao romance e faz dele um dos pontos centrais de sua existência, colocando David, que a princípio procurara não se envolver tanto, em maus lençóis. Uma sucessão de situações extremas e está preparado o terreno para a tragédia.

É preciso desfazer um mal entendido que possa ter sido gerado por essa simplificação do enredo: o livro não se resume a exposição sumária que eu aqui lhe dei. A forma como Baldwin conduz a história, e como consegue contá-la a partir de um dos lados da relação, revela um talento narrativo e dramático bastante apurados e dignos de nota. Já sabemos logo no começo que a tragédia é uma das marcas dessa história, justamente porque a primeira cena que Baldwin nos apresenta é a de David sentado com uma taça de conhaque na mão refletindo sobre o ocorrido. O livro se desenrola no sentido de trazer-nos novamente aquele momento, munido, então, da cadeia de fatos desencadeados até ali.

Além disso, o foco em primeira pessoa nos transporta para dentro das emoções e sentimentos de David, revelando nuances interessantes da trama. A inspiração calcada na verve clássica do romantismo encontra-se vivificado no desfecho da trama e no complexo imbróglio amoroso que percorre toda a obra, fazendo de Giovanni uma interessante e ousada reelaboração de um estilo e de uma temática passadas em pleno século XX, sob novas vestes e novos problemas.