Há uma semana ocorreu um Shabat em memória às vítimas do Holocausto na Congregação Israelita Paulista e eu, como um entusiasta do judaísmo – vide os livros sobre o assunto que já resenhei, duas ou três colunas que escrevi -, sem kipá e sem torá, compareci. Por medida de segurança extrema, antes de entrar no local, esvaziei os bolsos, entreguei minha carteira de habilitação e fui interrogado porque, como e por onde eu sabia daquele tal evento (faltou medirem o tamanho da minha barba e do meu nariz). Passando por duas portas de ferro pesadas e por um detector de metais, caminhei até dentro do complexo e encontrei uma amiga, que trabalha na Prefeitura e me chamou para o evento. Graças a chuva de São Paulo e o trânsito, eu perdi, de acordo com ela, o que seria a parte mais animada do Shabat: dali para frente teríamos o Kadish. Antes do salão principal há um enorme recipiente, que parece mais aquela taça onde as assistentes de palco do Gugu ficavam dançando, com kipás e um Shabat Shalom (com traduções em português das rezas e canções em uma página, e na outra tudo escrito em Alef-Beit). Peguei um de cada e caminhei pelos fundos. Quando tentei sentar na última fileira localizada perto da porta, “Aqui somente a senhorras”, disse um religioso, e me apontou os lugares onde eu poderia sentar.

Antes do culto religioso, o rabino chamou ao palco um ex-prisioneiro do Campo de Buchenwald – ou um nome bem similar, porque ouvir um senhor de mais de oitenta anos, cuja língua-mãe é o iídiche e o alemão, falar português (não é fácil) – para contar sua história. Por culpa de sua dicção e idade, não memorizei o nome, mas soou algo como Bernaar. Ele contou em detalhes, e com uma mágoa quase imperdoável sobre a humanidade, a ascensão de Hitler, o dia da separação de seus pais e outras tantas famílias, até o dia em que finalmente pisou no Brasil, onde conheceu sua mulher Miriam, também sobrevivente do holocausto. Essa palestra em sua grande essência era um desabafo que, ano a ano, o senhor tinha o prazer – e até mesmo um dever, conforme encarado pela comunidade presente – de dar. Essa foi a minha maior decepção.

Em dado momento, ele não acusou os nazistas de exterminarem o povo de Israel, mas os alemães em geral. Não gostei muito dessa generalização, assim como não aprovo nenhuma. Por mais que muitos alemães estivessem envolvidos nesse processo, foram os membros do partido nazista quem capturaram e exterminaram os judeus e outras minorias (afinal, não podemos esquecer que eles não foram os únicos perseguidos: homossexuais, ciganos, evangélicos, opositores políticos e outros tantos). Será que todos os alemães aprovavam tal processo? É culpa de uma nação inteira? Quando eles perceberam o erro que tinham cometido ao colocar o Fürher no poder não era tarde demais? Pois já se tratava de uma ditadura com milhares de seguidores com poder de fogo muito mais forte. Só uma guerra para acabar com tudo isso, um embate exterior que forçou ao suicídio o líder do Terceiro Reich. Não preciso recontar a história devido a quantidade de livros e filmes dedicados à Segunda Guerra Mundial. Muito menos irei apontar vítimas e carrascos. Aliás, o que não gostaria de citar mesmo era a presença do ex-governador-e-ex-prefeito-arroz-de-festa José Serra, discursando apenas para citar um artigo dele com a opinião dele sobre tudo isso (e tantas outras redundâncias “acadêmicas”) e, para vergonha alheia, deixou o kipá cair no meio da sua ego exposição e só conseguiu colocá-lo numa maneira à lá Sérgio Mallandro de Israel.

Pouco depois da cerimônia e das cantorias acabarem, comecei a refletir como o reforço da memória de quem viveu (ou sobreviveu?) os horrores do Holocausto faz com que essa história não seja esquecida. Romanceados, amargurados ou não, esse assunto perpetuará pelo resto da existência da humanidade – podem surgir uns Códigos de Abraão no caminho – por se tratar de um choque que tomou o mundo e sujou uma nação que até hoje sente vergonha do seu passado. A partir desse ponto podemos ver o quanto a nossa história passada nos mostra a força que temos dentro do presente e nosso papel no futuro. Devemos sim celebrar a memória e revisitar constantemente os fatos que nos moldaram no que somos.