
Juan Pablo Villalobos nasceu em 1973, em Guadalajara, México, e atualmente mora no Brasil. É autor de contos, crônicas de viagem e crítica literária e de cinema. Festa no covil é seu primeiro romance. Editado originalmente na Espanha, já foi traduzido na Alemanha, Reino Unido, Holanda e França, e tem lançamento previsto em mais sete países, incluindo Itália, EUA, Israel e Turquia. A edição britânica foi selecionada pelo jornal The Guardian entre os cinco finalistas do First Book Award. Juan topou responder às perguntas do Meia Palavra, confira!
1- É possível falar no México hoje – e mesmo na América Latina – de uma “narco-literatura”? Como a literatura pode se posicionar frente a criminalidade disseminada por esses grupos de poder paralelo?
A chamada “narco-literatura” é um fenômeno muito heterogêneo. Sob esse termo são agrupados autores e textos de diferentes estilos, características e inclusive qualidades. O mesmo se fala de narco-literatura para definir um best-seller que para classificar um romance experimental, a condição é que o tema seja, direta ou indiretamente, o tráfico de drogas. Por isto eu creio que é mais um fenômeno do sistema literário – editoras, livrarias, mídia – que um sub-gênero, como falam alguns críticos.
O fato é que para os escritores mexicanos, como antes aconteceu com os colombianos, escrever sobre a violência tornou-se uma necessidade. Tem surgido livros muito bons porque existe uma necessidade – eu diria na sociedade – de buscar uma linguagem para falar da violência do tráfico. Nesse sentido, a literatura atende uma função básica, a de ajudar a tentar entender o que está acontecendo.
2- Por que escolher uma criança como narradora? Existe algo na linguagem “infantil” que permite retratar de um modo particular essa violência?
Eu estava procurando uma voz narrativa que me “pegasse” e que me desse ritmo. No processo criativo o ritmo é tudo, tem que manter o ritmo de escrita para poder manter o tom e para a própria fluência do texto. Eu comecei narrando por outras perspectivas, mas não funcionavam. De repente, diante da folha em branco, apareceu a primeira frase do livro: “Algunas personas dicen soy un adelantado”. Nessa frase já estava o tom, o humor e a visão do mundo de Tochtli. O mais interessante da voz era a mistura de inocência e crueldade, e a possibilidade de dizer coisas politicamente incorretas.
3- Por que um hipopótamo? Seria referência aos hipopótamos trazidos pelo megatraficante Pablo Escobar para seu zoológico particular na Colômbia?
Eu não conhecia a história dos hipopótamos de Pablo Escobar. Fiquei sabendo quando lancei o livro na Espanha e um jornalista colombiano me fez a mesma pergunta. O hipopótamo é um animal fetiche para mim, é o símbolo do absurdo. Na Festa no covil coloquei o hipopótamo como um desejo absurdo – um menino que quer ter um hipopótamo -, para entrar num dos temas que me interessam: a aprendizagem do exercício do poder.
4 – Quais são suas influências literárias? E não literárias?
Gosto muito de autores marginais, raros, experimentais, como Felisberto Hernández, Pablo Palacio, Juan Emar ou Francisco Tario, na América Latina; Alfred Jarry, Raymond Queneau e os patafísicos na França; a literatura do absurdo: Beckett, Ionesco; gênios solitários como Boris Vian, Witold Gombrowicz, Giorgio Manganelli, Copi ou Yasutaka Tsutsui. Se tivesse que falar dos livros que mais influíram minha idéia da literatura, diria: o Quijote de Cervantes, o Tristram Shandy de Laurence Sterne, o Candido ou o otimismo de Voltaire e Jacques, o fatalista de Diderot. Provavelmente as únicas ligações entre todos esses autores sejam a dessacralização da literatura e um sentido do humor cáustico.
5 – Qual a sua relação com filmes de samurais que tanto cita durante a obra? É somente para fazer uma ligação entre a honra ou existe um fetiche pessoal com o Japão?
Eu assisti filmes de samurais quando era adolescente e lembro também alguns seriados. Na época em que escrevi a Festa, estava assistindo com muito interesse os filmes de Takashi Miike, filmes hiper-violentos, alguns deles ambientados no mundo dos yakuzas (a máfia japonesa). Mas na verdade eu queria falar dos samurais, e da revolução francesa, e da conquista do México, e das guerras dos imperialistas, etc., para colocá-las junto com a violência do tráfico. Faz parte da educação sentimental de Tochtli, esse aprendizagem da cultura da violência. Também é uma provocação: dizer que os mexicanos não inventamos a violência.
6 – Na tradução inglesa o livro recebeu o título “Down on the rabbit hole” (Dentro da toca do coelho), que faz uma alusão a Alice no País das Maravilhas, inclusive no posfácio da edição nacional existe essa comparação. Até onde essa comparação e estudo são válidos?
O que acontece é que todos os personagens do livro tem nomes de animais, esses nomes estão em Nahuatl, uma lingua indígena do México. Tochtli quer dizer coelho. Nesse sentido, o “palácio” onde mora Tochtli, o “covil”, a “toca”, é um buraco de coelho. E que, igual ao mundo de Alice, acontecem coisas absurdas. Mudar o título em inglês foi uma sugestão da tradutora e de meu editor no Reino Unido. Eles achavam que seria interessante criar uma ligação com o texto de Lewis Carroll para fazer atrativo ao leitor inglês. Eu gostei da idéia, porque sou um grande fã da Alice. E eles tinham razão, o livro virou um grande sucesso na Inglaterra.
7 – Atualmente quem são os escritores que você lê?
O argentino César Aira é um autor fundamental para entender até onde vai a literatura em lingua espanhola, um gênio na mesma linha dos autores que citei antes. O mexicano Daniel Sada, que morreu no ano passado, é para mim o último dos Grandes Autores da América Latina, com maiúscula, um escritor barroco, herdeiro de toda nossa riquíssima tradição literária, um autor preocupado com ampliar os limites de nossa lingua. Alan Pauls também me parece muito interessante.
8. Woody Allen afirmou, ao justificar sua escolha de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” estar na sua lista de melhores livros, que o motivo é a obra de Machado de Assis ser um livro pequeno. Além disso, você afirmou em entrevista ao site Culturama da Espanha que prefere as obras com poucas páginas – pequeno formato – e ainda disse que nunca leu, e não lerá, “Ulisses”, “Em busca do tempo perdido” e “O homem sem qualidades” devido ao tamanho dos livros. Por que esse gosto pelas obras em pequeno formato em detrimento dos catataus?
É por minha concepção do leitor e do ato de leitura. Eu defendo que o leitor tem que completar a obra, e para isso tem que por a funcionar seus sistemas de valores e preconceitos, sua própria concepção da literatura, inclusive. Acho que o momento mais interessante da literatura não é o ato de criação… é o choque entre o texto e o leitor, a chamada experiência estética. Nesse sentido, gosto de trabalhar com a brevidade, com a elipse, com os vazios narrativos, com os clichés e estereótipos.
Por outro lado, devo dizer que estava muito exaltado no momento de responder aquela entrevista, eu li e adorei un monte de catataus, os dois de Roberto Bolaño, por exemplo.
9. Quando escreveu “Festa no covil” você residia em Barcelona, como esse distanciamento do México contribuiu na composição do livro?
Festa no covil é o primeiro livro de uma trilogia sobre México, sobre a construção da idéia e imagen do país desde a distância. Faz oito anos que eu moro fora do México e obviamente isso tem mudado completamente meu olhar sobre o país.Às vezes é preciso se afastar para poder deixar de olhar, como diria Voltaire, “a ponta do proprio nariz”. Os três livros não têm os mesmos personagens nem a mesma trama, mas sim são políticos, são narrados pela perspectiva de uma familia, tem um tom humorístico, os mesmos temas (violência, corrupção, injustiça, etc.), e até os mesmos leit motifs (o cabelo, os charros, a comida, etc.) O primeiro, a Festa no covil, é um livro sobre a infância; o segundo, Si viviéramos en un lugar normal, que será publicado em breve em espanhol, é sobre a adolescência; e o terceiro, que ainda não escrevi, será sobre a velhice.
10. Em abril você vai dar um curso de escrita no Instituto Cervantes. Como será esse curso? Em quais projetos você está trabalhando atualmente?
É um curso sobre quatro narradores raros da América Latina: Felisberto Hernández, Pablo Palacio, Juan Emar e Efrén Hernández. São autores pouco conhecidos da primeira metade do século XX, que tem tido uma enorme influência sobre outros escritores. Cortázar, por exemplo, adorava Felisberto Hernández, é impossível entender Cortàzar sem ler Felisberto. Vamos analisar o conceito de cânone literário e como são construídas as noções de marginalidade e excentricidade.
Terminei meu segundo romance, intitulado Si viviéramos en un lugar normal, que será publicado em setembro em espanhol e estou escrevendo para diferentes revistas, jornais e blogs de México, Espanha, Reino Unido e Brasil. Também vou começar uma oficina de escrita criativa na livraria do Fondo de Cultura Económica em São Paulo.
1/2 – O animal latino-americano em extinção hoje é…
a esperança
A equipe Meia Palavra agradece a atenção de Juan Pablo e a colaboração de Diana Passy
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