Depois do sucesso de Os Magos (resenhado anteriormente aqui), Lev Grossman retorna com mais uma etapa da vida de Quentin Coldwater, o inteligente, angustiado e hesitante “herói” do primeiro livro. “Herói” assim, entre aspas, porque Quentin dificilmente poderia ser comparado ao estereótipo dos protagonistas de fantasia. Falta-lhe o carisma, a nobreza de caráter e a constância frente ao perigo, entre outras características tradicionais do pacote “Príncipe Encantado”. A falibilidade dos personagens, no entanto, faz parte da revigorante proposta de Grossman, que procura fundir a sedução natural do gênero fantástico a aspectos mais realistas, uma moral mais cinzenta e uma linguagem mais moderna. De fato, será o próprio Quentin quem se questionará muitas vezes, ao longo de todo o livro, quais os motivos que lhe impedem de se firmar como um herói.

Uma das histórias de O Rei Mago tem início aproximadamente dois anos após os eventos livro anterior. Quentin agora é um Rei de Fillory. Seu dia-a-dia consiste em permanecer deitado sobre pilhas de almofadas, sendo servido em todos os seus desejos, apenas parando, vez ou outra, para aprender um pouco de esgrima ou equitação. Mesmo assim ele continua inquieto. Sem saber exatamente o que procura, Quentin passa a ver cada situação estranha (e em Fillory, elas não devem ser poucas) como um daqueles ganchos que apontam o início de todas as aventuras. Finalmente, tomado por um impulso, ele decide ir pessoalmente à Ilha Distante, uma província nos limites do reino, para saber de uma vila de pescadores pobres o motivo de não terem recolhido os impostos devidos à Coroa. Poderia parecer uma viagem perdida, mas em Fillory pequenos ganchos de fato escondem grandes aventuras. Logo Quentin e a tripulação do Muntjac estão imersos na busca das sete chaves douradas que dão corda no mundo. 

Os fãs de Os Magos, no entanto, encontrarão pouco de semelhante nessa parte do livro. Quando se fala de continuações de séries, emerge naturalmente essa espécie de conflito de herdeiros, entre as expectativas dos leitores e a vontade do autor (que, afinal, é soberana), mas é difícil escapar da impressão de que as mudanças feitas por Grossman trouxeram consigo vários defeitos. Em especial, em vez do ritmo acelerado do primeiro volume, com o qual iam sendo explorados aos saltos períodos-chave ao longo de vários anos, a ação de O Rei Mago se reduz a um conjunto de apenas algumas semanas. Perdeu-se, assim, aquilo que fazia da narrativa também uma história de amadurecimento e, consequentemente, quase todo o seu aspecto dramático. Alguns outros problemas são mais típicos em se tratando de sequências, como ramificações circulares na trama, que nada introduzem de relevante, ou o fato de questões que haviam permanecido em aberto serem ignoradas ou postergadas para um próximo volume (o que aconteceu a Alice? Qual a disciplina mágica de Quentin?).

Como uma grande exceção a todas essas críticas, existe uma segunda história no livro, que se inicia muito antes – na página 14 de Os Magos, para ser preciso. Lá Julia havia se separado de Quentin e James e, como já havia sido sugerido, também realizara o teste de admissão para Brakebills, sem que, contudo, fosse aprovada. A partir daí se desenvolve uma nova linha narrativa, paralela àquela do primeiro livro, em que acompanhamos todo o percurso de Julia, até o momento em que ela também tenha ocupado um dos tronos de Fillory – e se tornado uma reticente e sinistra Rainha. Ao contrário de Quentin, o caminho de Julia dá pouco espaço para ilusões: cada sucesso exige seus sacrifícios. Rejeitada pela pompa acadêmica de Brakebills, ela precisa escalar um mundo alternativo de bruxos de fronteira, viciados, loucos, que se aproveitam dos restos do sistema oficial. Uma história que se adapta muito bem ao modelo do primeiro livro da série e que, além de servir de contraponto ao caminho de Quentin, mostra como o destino pode conduzir dois amigos por rumos tão distintos que, ao se reunirem, elas já não se reconhecem.

Se dependesse apenas da continuação das aventuras de Quentin, O Rei Mago não iria muito além de um romance bem-humorado de fantasia. Pode ser que Grossman tenha seus próprios interesses com os rumos da série, mas não deixa de parecer, usando o jargão televisivo, que se trata de um filler, um episódio empregado apenas para estender o período de exibição. É graças aos capítulos sobre o passado de Julia que o livro se justifica, e ainda assim, como acontece com tantas outras continuações, ele subsiste essencialmente dos créditos conquistados no primeiro volume, que são vastos o bastante, felizmente, para que ainda sobrem esperanças quanto à próxima etapa dessa história.