Hoje em dia quando se fala em idioma judeu, a maioria das pessoas automaticamente pensa em hebraico. É, afinal, o idioma de Israel e o idioma da liturgia judaica. Muitas pessoas esquecem – e outras tantas ignoram – o fato de que o hebraico falado hoje na palestina judaica é uma reconstrução sionista do idioma arcaico, surgindo no final do século XIX – que, fora da liturgia, não era falado desde a idade média, persistindo basicamente em sua forma escrita.

Existem, é claro, muitos outros idiomas judeus: ídiche, ladino, cnaanico, yevânico, judeu-georgiano, judeu-árabe e outras tantas. Muitas delas extintas. Mas, até o começo do século XX, pelo menos o ladino e o ídiche eram línguas vivas – até mais do que o hebraico moderno. Tanto que até o Nobel de Literatura premiou um escritor ídiche: Isaac Bashevis Singer.

Hoje em dia, porém, essas línguas tiveram seu número de falantes bastante reduzido. Confluem aí a Shoah e os expurgos stalinistas, que dizimaram as populações falantes de ídiche e de ladino da Europa Oriental (apesar de o ladino ser o idioma ‘judeu-espanhol’ muitos sefarditas emigraram para os territórios da ex-Iugoslávia, República Tcheca e Lituânia ao serem expulsos da Península Ibérica no século XV e XVI); e deve-se ainda contar a força do sionismo, que impôs o hebraico reconstruído como língua franca para os judeus – na palestina e fora dela.

O ídiche encontra-se em posição mais ou menos segura: existe um oblast russo em que o ídiche é uma das línguas oficiais, e existem esforços de preservação do idioma que parecem funcionar bem. Em Vilnus, capital da Lituânia, existe até mesmo um Instituto de Estudos Ídiches ligado à faculdade de história da Universidade de Vilnus.

Já o ladino, por inúmeras razões, encontra-se prestes a ser extinto. Expulsos da Espanha, a maioria dos judeus acabou se adaptando linguisticamente: no Brasil, falam português, na América Espanhola, espanhol,  na Holanda, holandês, na Polônia adotaram o polonês e o ídiche. Lembremos, ainda, que Israel foi um empreendimento majoritariamente ashkenazi – chegar no estado judaico falando ladina era considerado sinal de pouca educação e falta de refinamento. E, um fator bastante curioso: praticamente inexiste uma literatura em ladino.

Não que nada tenha sido escrito nesse idioma: livros de orações para mulheres e crianças, estudos médicos e alquímicos, histórias populares, manuais de ciências e de navegação, cartas de rotas comerciais. Hoje em dia editam-se até mesmo um ou dois jornais em judeu-espanhol no mundo, apesar da circulação bastante limitada.

Mas existiram poucos poetas e nunca ouvi falar de um prosador em ladino. Tampouco existe um teatro ladino. Enquanto o ídiche criou uma poderosa tradição literária, que influenciou as grandes literaturas europeias, o ladino permaneceu literariamente silencioso. Foi utilizado em grande escala para a ciência, a religião e a filosofia, mas não para a arte: do ponto de vista judaico, pode-se dizer que é um idioma eminentemente prático.

Prático pois preocupou-se com as consequências da expulsão, em termos materiais, espirituais e morais. Não havia tempo para a ficção: tal qual os ciganos, os judeus sefarditas passaram a ser um povo sem pátria e sem terra. Alguns tiveram a sorte de estabelecer-se em locais onde se tornaram bem quistos. Estes, escreveram: quantos escritores holandeses não são sefarditas? Marroquinos, bósnios, norte-americanos, argentinos?

Justiça seja feita: existe hoje, mais literatos ladinos do que em qualquer outro tempo. O grande problema é que, provavelmente, é uma literatura que emerge tarde demais, quando a maior parte de seus potenciais leitores já se perderam. É uma bela literatura, mas que nasceu postumamente.