Quando se fala em ‘jornalismo literário’ os primeiros nomes nos quais as pessoas pensam são Talese, Capote e Mailer. Um outro grande nome e que normalmente é esquecido pelo grande público é o polonês Ryszard Kapuściński.
Kapuściński nasceu em Pinsk, atualmente pertencente à Bielorússia, em 1932. Depois da Segunda Guerra ele foi um dos poucos jovens intelectuais poloneses que realmente acreditou que os soviéticos poderiam fazer algo pelo país. Desiludiu-se logo, mas continou suficientemente fiel ao regime para que ganhasse o direito de viajar e tornou-se correspondente da Polska Agencja Prasowa- o único por muitos anos, sendo responsável por mais de 50 países.
Nesse trabalho ele cobriu diversas revoluções, guerras e golpes ao redor do mundo, tendo inclusive se tornado amigo de Che Guevara, Salvador Allende e Patrice Lumumba. Uma das coisas que o tornou famoso no mundo anglófono foi o fato de ter presenciado em primeira mão o esfacelamento dos Impérios Coloniais Europeus na África, nos anos 1960 e 1970.
A partir de 1960 também, ele começou a escrever obras com alto teor literário, uma espécie de ‘não-ficção criativa’ ou de ‘literatura documental’. Um de seus livros mais famosos é ‘O Imperador: a queda de um autocrata’ (Cezarz).
Nessa obra Kapuściński descreve os últimos momentos do império de Hailé Selassié I- que governou o país durante 44 anos, mantendo seu povo na miséria e na ignorância enquanto sua corte vivia em meio à abundância.
É impossível não se indignar com os absurdos cometidos por Selassié e seus dignatários: o imperador nunca lia ou escrevia nada- ele sequer assinava seus decretos, tinha um secretário especialmente para isso- e confiava apenas em sua memória de homem de 82 anos (segundo o próprio, seus opositores diziam que ele mentia dez anos para baixo), tinha servos para coisas como carregar as almofadas em que sentaria, distribuir dinheiro, indicar a passagem das horas e abrir-lhe as portas, não só era o chefe da igreja como era considerado pela constituição como sendo descendente por Deus e por seu poder originava-se teocraticamente.
Selassié, no entanto, era uma figura carismática e que entendia muito bem o complexo funcionamento dos jogos políticos, fosse ao jogar com líderes estrangeiros- que o consideravam um herói, que foi até a Liga das Nações pedir ajuda contra Mussolini- fosse em seu próprio país- o livro nos mostra como ele fazia questão de ter ministros idiotas, para que fosse ressaltado seu brilhantismo perante os olhos do povo.
O apetite por modernizar o país, no entanto, foi o grande tiro no pé do autocrata, que enviou jovens ao estrangeiro para estudar- permitindo que eles não só tivessem contato com os pensamentos políticos mais avant-garde, mas que pudessem comparar o atraso da Etiópia com relação à Europa e os EUA.
Não só Kapuściński descreveu uma grande história, como o fez de modo especialmente interessante ao intercalar suas próprias impressões com coisas que lhe foram narradas por antigos membros da corte de Selassié I, utilizando a perspectiva de figuras menores mas que eram parte intrínseca do mecanismo que manteve o Império Etíope funcionando além do que seria esperado. Nenhum dos narradores, que mal se distinguem durante o livro e que são identificados por iniciais, corresponde totalmente a figuras existentes, o autor mesclou diversas pessoas em alguns poucos personagens.
Publicado originalmente em 1983, o livro coincidiu com o começo do fim da URSS e não só era uma metáfora para o Comunismo e a dominação soviética na Polônia, como um discurso universal a respeito do poder e de como ele pode funcionar de modo perverso.
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O Imperador: a Queda de um Autocrata
Ryszard Kapuściński
Tradução de Tomasz Barcinski
200 páginas
R$ 43,00
Saiba mais sobre essa e outras obras no site da Companhia das Letras
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