David Byrne, vocalista da Talking Heads, aproveita qualquer viagem para levar uma bicicleta portátil e conhecer as cidades de um ponto de vista que não o da janela de um carro. Um ponto de vista “mais rápido que uma caminhada, mais lento que um trem e muitas vezes ligeiramente mais elevado que o de uma pessoa”, como uma janela panorâmica.

Diários de bicicleta surgiu da ideia de reunir as anotações que Byrne tinha feito sobre esses lugares e também as divagações dele sobre música regional, guitarra, vida social e power points. É uma boa ideia, mas o livro ficou um pouco ingênuo. O que ele escreve sobre cidades e espaços para convívio é interessante, mas perde a mão quando passa muito tempo falando sobre compartilhamento de músicas online ou qualquer coisa desse tipo. Parece que faltou fazer uma edição melhor nos rascunhos.

“uma palestra com slides, o contexto no qual esse software é usado, é uma forma de teatro contemporâneo – uma espécie de teatro ritual que se desenvolveu em salas de reunião e meios acadêmicos, em vez de palcos da Broadway.” (São Francisco)

Ainda assim, o livro, que tem um capítulo para cada cidade, é bom para deslocar o nosso olhar na hora de pensar sobre um lugar que a gente conhece, até na hora de fazer turismo. É triste constatar que a maioria das cidades é planejada para os carros e os pedestres que se virem. Salvador, por exemplo, é uma capital cheia de vias rápidas e quem anda a pé deve se contentar com as passarelas. Prefiro nem falar sobre São Luís. Outro dia tive que andar o caminho entre dois shoppings, que ficam na mesma avenida, e nem calçada tinha. O texto da Luiza Terpins sobre o Rio ser uma cidade mais social e saudável enquanto Sampa é mais sedentária tem muita relação com o livro.

“na primeira vez que eu toquei aqui, trouxemos uma grande banda latina, o que deve ter sido uma surpresa para quem estava esperando ouvir Psycho Killer. Nos tocamos muita salsa, cumbia e samba. Na verdade, eu toquei Psycho Killer, mas com dois berimbaus” (Buenos Aires)

O capítulo que eu mais gostei foi o Manila, capital das Filipinas. Além de ser uma cidade curiosa, um amigo da minha irmã é descendente de filipinos e eu não sabia nada sobre o arquipélago até então. Manila tem máquinas de karaokê em todos os lugares (inclusive no meio da rua) e usa osjeepneys como meio de transporte (carros desenvolvidos a partir dos jipes do exército norte-americano deixados lá após a Segunda Guerra). Nesse capítulo, também li sobre o casal de políticos Ferdinand e Imelda Marcos que moldou sua imagem à dos Kennedys e, de acordo com o livro, conseguiram conectar a história deles com a história do próprio país. O corpo de Ferdinand está exposto em um museu num caixão de vidro refrigerado (“é o corpo verdadeiro, supõe-se”). A foto do livro mostra uma mulher beijando o caixão. Seria o Oscar Wilde filipino?

Sobre a autora: Luisa Pinheiro, Parte vertigem, parte linguagem. Maranhense que estuda jornalismo na UFSC e é mestre em perder voos. Também escreve no Doses de tiquira.