Stálin foi um dos líderes mais cruéis da história. Costuma ser colocado no mesmo patamar que um de seus maiores adversários, Adolf Hitler. Seus crimes são inúmeros: é o responsável por anos de censura, perseguições e campos de concentração (os famosos Gulags) na União Soviética. Ainda assim, através de táticas de propaganda e do famigerado ‘culto ao líder’, Stálin era amado por boa parte do povo russo.

Entre esses pode-se contar a personagem central do romance satírico de Vladímir Voinovich, Agláia Stepanova Revkina. Militante comunista desde os anos 1930, liderou guerrilhas e sacrificou até mesmo o próprio marido para salvar o sonho comunista durante a “Grande Guerra Patriótica” – mais conhecida como Segunda Guerra Mundial, fora da URSS. Agláia não era devotada apenas ao comunismo, mas a própria figura de Stálin. Quando foi líder do comitê distrital do Partido em Dolgov, mandou erigir uma estátua do Comandante Supremo, de acordo com os ditames da ‘propaganda monumental’ pregada nos escritos leninistas.

Como todos sabemos, porém, Stálin morreu. A isso sucedeu-se um período de mudança e de relativa abertura política. Khrushev chegou inclusive a condenar seu antecessor pelo culto a personalidade e pelos expurgos. Entre outras coisas, uma das consequências foi que a estátua que Agláia tinha plantado no centro de Dolgov foi retirada, e seria enviada para o lixo.

Ao contrário de boa parte dos outros membros do partido, Agláia não se curvou às mudanças e permaneceu fiel a Stálin. Para evitar que a estátua, feita de ferro, fosse derretida, levou-a para seu apartamento – com o intuito de guardá-la para o dia em que os verdadeiros comunistas voltassem ao poder e o Camarada Stálin fosse reabilitado.

A partir daí Voinovich pinta um quadro pouco lisonjeiro das idas e vindas do poder na Rússia durante o século XX, e das mudanças as quais as pessoas se submetiam, sedentas pelo prestígio – ou mesmo por medo. Aqueles que, como Agláia, mantinham-se firmes em suas posturas, eram considerados traidores ou loucos.

Mas não é apenas sobre Agláia que o livro trata: temos ainda Chúbkin, escritor que, inicialmente, tinha orientação leninista e chegou a ser mandado para um campo de trabalhos na Sibéria, depois reabilitado, e, depois, novamente considerado dissidente. Ainda converteu-se ao cristianismo ortodoxo e, mais tarde, ao judaísmo.

Temos ainda Vanka, jovem gênio que acaba enviado para o Afeganistão e volta caolho, sem pernas e sem um braço. Para vingar-se da sociedade que o mutilou,  já nos anos 1990, passa a criar bombas que vende para que os “novos russos” – a classe rica e criminosa que surgiu com o capitalismo na Rússia – se matem entre si.

Lembremos ainda da única voz sadia em toda a obra, o Almirante – intelectual impedido, pelo regime Stalinista, de seguir com sua vida acadêmica e que acaba numa madeireira pelo resto de seus dias. Parece ser o único que vê o quão absurdas são as mudanças de opinião das pessoas, e o quanta besteira elas gostam de professar.

Propaganda monumental é uma obra de sátira, mas é também um belo resumo sobre a história política e ideológica da Rússia. As posturas aparentemente opostas de diferentes governos, mas que no fundo são iguais, são desnudadas e expostas ao ridículo. Voinovich mostra dois grandes problemas da ideologia: aqueles que se apegam demais a ela, tornando-se cegos; e aqueles para os quais ela é apenas um instrumento, sendo portanto tão maleável quanto as circunstâncias pedirem.

Uma obra engraçada e impactante que, em um nível mais profundo, pode ser lida como não apenas sobre a Rússia – mas sim sobre todo e qualquer lugar em que exista uma estrutura de poder, onde existam pessoas organizadas em sociedade.