O conceito de booktrailer é muito legal, mas não parece ser muito fácil pegar a manha de fazê-los. Especialmente aqui no Brasil, onde essa estratégia publicitária ainda engatinha, muitos deles são muito ruins, principalmente para o tipo de leitor que não suporta ver algo ser declamado ou recitado – tudo finda soando como o exemplo do vídeo “How to read poetry”, mesmo quando a voz não se permite grandes arroubos de interpretação.

Porém, há um setor do mundo editorial que tem inspirado boas prévias dos livros – e, consequentemente, primeiras impressões melhores: o da literatura infantil. O restante deste texto – o que inclui, enfatizo, a maior parte das teorizações nele presentes – reflete o que penso sobre o tema, do alto de minha extensa sabedoria de “cara que não tem vergonha de abrir um imenso livro colorido e cheio de figuras no meio do ônibus”. Creio que haja uma série de requisitos a serem cumpridos para que os booktrailers sejam considerados bons, requisitos mais facilmente alcançados em livros desse setor. Eles:

1. devem “funcionar” como vídeos;
2. têm que deixar claro qual produto estão anunciando;
3. e, se possível, devem incluir fatores que potencializem a viralização.

O primeiro requisito é aquele em que se peca mais costumeiramente. Os vídeos (para os fins deste texto, estou incluindo nesse conceito outras formas de sucessiva intercalação de imagens, como os famosos gifs) devem ser visualmente atrativos e divertidos, e, ao mesmo tempo, não transparecerem logo de cara que algo de uma mídia – escrita, impressa – está se intrometendo em outra – audiovisual: longas recitações e visual amador (estilo “o meu livro é tão superior a essas formas de marketing”) são os maiores problemas. A presença de boas ilustrações e de um tom levemente (ou muito) engraçado permite que os livros infantis larguem na frente nesse ponto.

Os dois tópicos restantes devem ser tratados juntos. É óbvio que o segundo é importante (quando se anuncia um produto, é bom que fique claro na cabeça do consumidor o que ele deve sair querendo comprar: seria insano se uma propaganda de picape deixasse o telespectador com vontade de encomendar… um pônei cor-de-rosa), mas parte do que faz um vídeo “viralizar” (sinônimos: “virar um hit” ou “aparecer 37 vezes na sua timeline”) é a sensação de que você não está sendo usado como elemento difusor de publicidade, mas, apenas, repassando algo muito legal para os amigos, algo que eles devem ver.

O jenesequá que incentiva a divulgação boca a boca (ou melhor, link a link) costuma ser algo engraçado e facilmente relacionável com a vida diária das pessoas. No caso da literatura infantil, esses meios de divulgação devem ser interessantes o suficiente para que jovens e adultos não se sintam constrangidos em divulgá-los. Devem, também, mostrar boa parte do conteúdo do livro, o que: dá uma sensação de já tê-lo lido; causa certa sensação de surpresa ao encontrar algo que não tinha visto no primeiro contato; e, por fim, deixa claro se aquele é o tipo de livro mais de adequado para uma criança que se quer presentear.

Abaixo alguns exemplos de, creio, bons booktrailers – três brasileiros hospedados no YouTube e dois estrangeiros em formato gif:

Quem soltou o Pum?, de Blandina Franco e José Carlos Lollo, pela Companhia das Letrinhas

A subversão das expectativas, a boa trilha sonora e as divertidas ilustrações fizeram deste um dos vídeos mais populares do canal da Companhia das Letras no YouTube. O uso de frases que facilmente remetem a questões fisiológicas, mas que, depois, revelam se referirem a um cão deve ter caído no gosto do público.

Não é uma caixa, de Antoinette Portis, pela Cosac Naify

A pegada deste booktrailer não é bem a do humor, ainda que ele não seja inexistente. Seu apelo com quem já saiu da infância se dá por um rumo saudosista: quem nunca brincou com algo sem importância e, com criatividade e imaginação, tornou-o o brinquedo mais fantástico que possuía? Não à toa, um cara (que alguns podem rotular como “sem ter nada para fazer”, mas que eu prefiro classificar como “de bem com a vida”) recriou, em stop-motion, as cenas do livro para um projeto de artes. As belas ilustrações e a capa da cor e simplicidade de uma caixa ordinária fazem o resto do serviço quando se encontra o livro físico.

É um livro, de Lane Smith, pela Companhia das Letrinhas


(versão sem legendas e melhor qualidade)


(versão legendada)

O que fez mais de 441 mil pessoas visualizarem esse vídeo – sem contar os mais de 55.500 que viram a versão a legendada em português e os demais que viram em outras línguas? Um livro de tema metalinguístico (fala de si próprio), que faz troça dos gadgets e demais traquitanas tecnológicas – dentre os quais os leitores de e-books cujas baterias, ainda que pareçam, não são eternas – ajuda a alimentar o tema polêmico do “fim do livro” que, vira e mexe, é discutido em jornais, revistas, blogs literários e, vejam só, outros livros. Tudo isso num vídeo divertido que pode ser repassado aos outros sem que sequer se perceba a divulgação do livro de Lane Smith, cuja tradução tive o prazer de ler enquanto caminhava até a parada de ônibus.

All my friends are dead e All my friends are still dead, de Avery Monsen e Jory John, pela Chronicle Books

A sequência de páginas de humor levemente negro é um hit no Tumblr. Ainda que seja difícil contabilizar quantas vezes os gifs foram reblogados (gente, eu posso falar isso?), uma vez que nem todos que o fazem utilizaram a mesma fonte, o primeiro deles quebrou o recorde de notas no Tumblr, em certo momento (como revela um dos autores, numa entrevista em inglês).

Enquanto tentava descobrir qual lembrancinha levaria do Tate Modern, em minha recente passagem por Londres, deparei-me com um exemplar da sequência, All my friends are still dead. Já tinha visto o gif de 13 imagens (1 da capa e 24 páginas internas, portanto) e me surpreendi com o quanto tão poucas páginas dão uma clara visão do todo (variações sobre os temas da amizade e da morte, com um humor que considero improvável num livro dedicado exclusivamente a crianças mais inocentes) e com o quanto o resto das 108 páginas conseguem ser inusitadas – inclusive com sequências para cenas que já aparecem no gif: por exemplo, o primeiro peixinho responde faz sua réplica ao comentário “I’m Rita” e diz “Shoot. Marcus owed me money.” Hilário.

No final, só resisti à compra do livrinho por meu orçamento já estar totalmente estourado. Senão, era mais um que ajudaria minha mala a ficar impossivelmente pesada.