Neil Gaiman é um ótimo autor. Como muitos ingleses que se enveredaram na ficção, ele tem como base uma narrativa clássica, calcada nos autores românticos e suas homenagens aos temas antigos – não só gregos – em suas histórias. Gaiman é um cara que pouco erra. Os Filhos de Anansi não tem a beleza de Deuses Americanos, e Orquídea Negra não é sua obra prima, mas na maioria das vezes, suas narrativas são acima da média. Ele é multimídia, tem sucesso não só na literatura adulta e nos quadrinhos, como nas animações e na literatura infantil.

Com tantas qualidades do autor, o que faz do segundo volume de Coisas Frágeis tão ruim?

O segundo Coisas Frágeis é praticamente uma aberração. Não há, em nenhum lugar do mundo, este segundo volume. Trata-se de um excerto dos piores contos da versão original de Fragile Things. Trocando em miúdos: a Conrad tirou o joio do trigo no primeiro volume da publicação, uma bela coletânea de contos, deixando o que havia de pior para este segundo volume. Fosse publicado como um todo, Coisas Frágeis ainda seria um ótimo livro, apenas maior.

Bem misturados, os contos se confundiriam, principalmente porque os deixados de lado são pequenos, o que faz da publicação ainda mais sem sentido. O restolho trata-se principalmente de mitos, rememorações do próprio autor e de histórias de fantasma. Uma delas, Pó Amargo – escrita ao estilo Ghost Story (aqui no Brasil Os Mortos-Vivos), de Ray Bradbury – é a melhor do livro. Conta a aventura de um falido que troca de identidade com um acadêmico desaparecido. Tendo parado em Nova Orleans, se envolve com prostitutas que lhe explicam o mito das meninas negras zumbis que vendiam café em Porto Príncipe há alguns séculos.

A verdade é que o livro demora para engrenar, já que os dois primeiros textos, A Dança das Fadas e A Câmara Secreta, são poemas, e o terceiro, Noivas Proibidas dos Escravos sem Rosto na Casa Secreta da Noite do Temível Desejo, nada mais é que uma paródia juvenil do Corvo, de Poe.

O último conto do livro, Inventando Aladim, também merece destaque. Mostra a leveza de Gaiman na prosa, uma narrativa de pouco mais de quatro páginas que merecia ilustração de P. Craig Russell, parceiro do autor em adaptações quadrinísticas como Coraline e Mistérios Divinos. Com certeza a história de Sherazade enrolando por mais uma das Mil e Uma Noites seu sultão fica na memória de todo fã de Sandman pela semelhança com Ramadã, ilustrada por Russell. O Dia dos Namorados do Arlequim, que virou adaptação quadrinística por John Bolton – A Paixão do Arlequim – é melhor que sua revista. Mesmo assim, merecia as ilustrações do inglês para completar a história.

A capa do segundo Coisas Frágeis é, ironicamente, mais bonita do que a da primeira edição, com uma japonesa e algumas flores de camélia, em uma fotografia. No final das contas vale a compra, se você tiver a primeira edição.

Sobre o autor: Artur Tavares é um dos diretores da HQM Editora, responsável por trazer Os Mortos-Vivos (Walking Dead) para o Brasil. Divide seu tempo livre entre as histórias em quadrinhos, textos para a página Jovem do iG e a produção de um programa mais ou menos sério na MTV Brasil. Você pode encontrá-lo no @arturem e Facebook.