Dinheiro equivale a vida. Retirada dos diários de Lenny Abramov, o personagem principal do último romance de Gary Shteyngart, Uma história de amor real e supertriste, essa frase tem força para sugerir a insignificância da vida que não é eterna. Aqueles que de alguma forma conhecem o livro talvez tenham pensado neste momento: “o quê? Mas o livro não fala nada disso”. Realmente, esse é apenas um assunto que emerge aqui e ali, mas entendo que, no fundo, é isso que preocupa Lenny (e Shteyngart?). A vida eterna? Não necessariamente. A vida com significado.

Lenny trabalha vendendo o sonho da imortalidade para Indíviduos de Alto Patrimônio Líquido. No mundo futurista criado por Shteyngart, isso é possível: transfusões de sangue, antioxidantes, nanorobôs, decronificação, a reversão do tempo. Na história, ainda não se sabe de que maneira e até que ponto essas tecnologias experimentais seriam capazes de aumentar a longevidade, mas a mera possibilidade de que sejam eficazes já potencializa a angústia de Lenny. Ele está próximo dos 40 anos e vê que seus rendimentos definitivamente não se encaixam em uma curva de riqueza apropriada para a eternidade. Talvez por isso, quando é enviado à Itália em busca de mais milionários, ele se entregue a uma orgia de pasta e vino. Seria uma reação, sua celebração do imediato.

E então ele encontra o amor. Como em qualquer comédia romântica, Lenny vê no amor a cura de todos os males (mas lembrem: esta é uma história supertriste e real). Enquanto seu trabalho, que o coloca em constante confronto com a imortalidade, ressalta sua própria finitude, o amor, por sua vez, traz a completa dispersão na experiência imediata. Esta, para mim, é a maneira mais interessante de entender o livro: uma busca de significado entre essas duas perspectivas.

Mas vamos aos elementos concretos. Lenny se apaixona por Eunice, uma americana quinze anos mais jovem, de uma família de imigrantes coreanos, com um pai abusivo e uma mãe submissa que mal consegue se expressar em inglês. Uma garota consumista, irresponsável, insensível, mas de Fodabilidade 800+. ((No futuro de Shteyngart as pessoas são organizadas automaticamente em várias espécies de ranking, entre eles a Fodabilidade (Fuckability, no original), que seria, digamos, a capacidade natural de atrair desejos de fornicação.)) Poderia parecer um personagem detestável, mas falta a Eunice a malícia dos verdadeiros vilões. Lenny também tem seus defeitos: inseguro, carente e até um pouco estúpido. Ainda assim, à medida que vamos conhecendo suas confissões, cresce certa simpatia pelo personagem, principalmente por aquele respeito que despertam as pessoas capazes de aguentar os maiores abusos sem culpar a ninguém além de si próprios.

A história se desenvolve então alternadamente entre os apontamentos do diário de Lenny e mensagens e conversas extraídas do äppärät ((Os smartphones do futuro, supercomputadores de bolso.)) de Eunice. Não há estripulias cronológicas, são narrados os acontecimentos normais de um relacionamento na ordem natural: eles se conhecem, são apresentados aos amigos, depois aos pais… Ainda assim, Shteyngart consegue prender o leitor, com uma prosa que mistura simplicidade e inventividade. Lenny e Eunice são pessoas comuns, e se expressam de maneira comum, mas o cenário satiricamente deslocado para o futuro abre oportunidade para que vários estranhos elementos sejam introduzidos gradualmente.

Shteyngart imagina os Estados Unidos à beira da insolvência, nas mãos dos seus principais credores, os chineses. O governo americano, temeroso de revoltas internas, se aproxima cada vez mais da extrema direita. As pessoas, no entanto, não parecem se importar muito. Elas vivem na obsessão da hiperconectividade, preocupadas com seus rankings, com a maneira como são vistos e em como atrair mais atenção. Claramente não se trata de algo nos moldes da ficção científica, isto é, seu objetivo não é representar uma previsão razoável e coerente, ainda que fantástica. Pelo contrário, o exagero e o absurdo compõem a sua sátira.

Apesar de ser uma leitura cativante, o livro deixa a desejar em alguns pontos. O principal deles, acredito, é que a personalidade de Lenny não fica bem estabilizada. Por um momento ele se enquadra como um idiota completo e, algumas páginas mais tarde, torna-se um pensador incompreendido. Outra questão, que tem maior impacto nos últimos capítulos, é que a ficção futurista de Shteyngart às vezes se perde da sua função de sátira e passa a ser utilizada para guiar os rumos da história, para preencher os espaços do plot, de maneira mais ou menos arbitrária.

No geral, diria que sua seleção para a Granta foi merecida: Shteyngart certamente é um autor de quem ainda podemos esperar bastante. Da minha pequena posição de leitor, gostaria apenas que, assim como outros escritores americanos, ele assumisse seu lado mais sério e explorasse mais a fundo essas questões cruciais de significado e finitude, que hoje parecem ser escamoteadas, timidamente, entre pilhas de sátira e ironia pop.

Lembrando que Shteyngart estará na Flip 2012, que começa hoje, com cobertura especial da equipe do Meia Palavra.