O novo filme de Cláudio Assis é um ode à Anarquia… com verba do Governo Federal. O diretor que já havia causado alvoroço com seus dois primeiros longas, Amarelo Manga (2002) e Baixio das Bestas (2006), mantém o vigor alucinado e a capacidade de instigar e incomodar nesse seu terceiro grande projeto, consagrado no Festival de Paulínia 2011 com oito prêmios nas principais categorias.

A trama acompanha o poeta Zizo e os que estão à sua volta incentivando sua arte e sua loucura. Zizo – interpretado por um Irandhir Santos bem diferente daquele visto em Tropa de Elite 2 – produz em sua casa o tabloide anarquista ‘Febre do Rato’ e com seu carro velho o distribui pela cidade à medida que grita seus versos tortos e utópicos.

A cidade em questão é Recife, e assim o diretor se firma como um cineasta nordestino, mas com coragem suficiente para desnudar o ambiente e virar de ponta cabeça conceitos que tínhamos sobre esse lugar. Um dos elementos que proporciona essa revolução de percepção é a lindíssima fotografia de Walter Carvalho (diretor do sucesso Raul – o início, o fim e o meio, 2012), que tira as fortes cores da cidade, mas deixa o sol escaldante estalar na tela e na cabeça dos personagens – algo semelhante ao impacto visual do clássico Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, com fotografia de Waldemar Lima.

Curiosamente, uma das cenas mais ousadas do filme (na foto) acontece sob um enquadramento e iluminação totalmente cartesianos, semelhantes aos dos velhos filmes da Vera Cruz, a gigante e já extinta produtora brasileira.

Em essência a trama é um grito de revolta aos tempos atuais – uma crítica válida e bem conduzida. Nesse universo desconstruído, o destaque óbvio (corajoso, porém pouco criativo), foi mostrar essa anarquia através da liberdade sexual dos personagens, onde Zizo, que tem uma preferência pelas idosas, se diverte com suas vizinhas-senhoras (entre elas, Maria Gladys, conhecida atriz de televisão). Sexo e amor entre três homens e uma mulher, nudez a todo instante, masturbação e Mateus Nachtergaele (sempre bom, sempre seguro) como um coveiro, fazendo par romântico com uma transexual (Tânia Granussi) também podem ser visto e deixariam o marquês de Sade orgulhoso.

Os destaques do elenco são Nanda Costa, como Eneida, uma bela atriz que se joga em ousadíssimas situações com uma leveza pueril, até revelar seu fogo juvenil; e Juliano Cazarré num papel pequeno, mas que cada vez mais tem se revelado um ator interessante – e não à toa, em breve estará em cartaz com 360 (2012), novo filme de Fernando Meirelles, contracenando com a vencedora do Oscar Rachel Weisz. Outro destaque também são os diálogos porretas do roteirista Hilton Lacerda, captando todo ritmo do sotaque com falas criativas e fortes.

Febre do Rato é um filme ousado e interessante, que choca a ponto de fazer pessoas saírem da sala (na minha sessão foram três), que instiga e joga nova luz sobre o Recife, mexendo na água parada e morna do atual cinema nacional.