Irmãos gêmeos ou pessoas que dividem corpos idênticos são temáticas já bastante exploradas na literatura. Joca Reiners Terron sabe aproveitar essas referências, que aparecem ao longo de seu romance intitulado Do fundo do poço se vê a lua, sem que o autor deixe de escrever à sua maneira. No livro, William e Wilson, não por acaso esses nomes, que remetem a um conto de Edgar Allan Poe, são gêmeos univitelinos profundamente diferentes em sua psique, apesar de serem iguais em aparência física.

Wilson sente que divide algo que deveria ser único, um corpo, e, como consequência, uma personalidade.  Não bastasse isso, ele não se vê como um homem, o que fica claro desde sua infância, quando se vestia de mulher com as roupas da sua falecida mãe, e passava por profunda admiração e transposição ao descobrir um antigo VHS e  nele ver Elizabeth Taylor interpretar Cleopatra.

Os anos passam e essa referência de mulher se mantém em sua cabeça como uma bíblia, até que ele se torne ela e inicie uma segunda vida. A narrativa se inicia quando os irmãos estão com 40 anos, tendo se separado cerca de 20 anos antes. Wilson, já transformado em Cleopatra, envia um postal ao irmão para que ele vá até o Cairo. Entre esse momento presente, somos apresentados à infância e adolescência dos irmãos. O que os levou a  esta separação? Que tipo de encontro eles terão? Perguntas como essas motivam a leitura de cada capítulo.

Wilson, ou Cleopatra, é o personagem que nos conta a narrativa, misturando-se com uma terceira pessoa. Ao mesmo tempo que participa da história, observa e sabe tudo que o seu irmão pensa, o que de certa forma cria uma ponte entre os dois personagens de forma psicológica. Por mais que sejam diferentes, Wilson é capaz de entrar na mente do outro. O livro brinca com o real e o delírio nesse sentido e em momentos mais explícitos. Existe, por exemplo, um instante em que Wilson deixa de enxergar o seu próprio pênis, negando sua masculinidade. Depois de passar por uma amnésia e ficar no hospital, é aconselhado por um enfermeiro a fazer cirurgia de mudança de sexo, mas, como poderia ele mudar de sexo se já não se enxergava tendo um?

Por fim, vale dizer que a lua, diferente do que sugere o título do livro, não é vista somente do fundo do poço, mas em muitas comparações e pontualidades do autor. Também é vista do fundo do poço através de um pesadelo de William, mas muito mais do que isso, o título marca todas as oposições das duas personagens: enquanto William parou no tempo e se afundou na mesma poltrona de sofá de uma mesma residência em São Paulo ao longo dos anos, banhado a álcool e pouca imaginação, seu irmão viajou o mundo na velocidade da luz e atingiu a lua, se tornou a lua. Mas todas essas viagens e diferenças não são capazes de fazer com que eles escapem de um desfecho espetacular.

Do fundo do poço se vê a lua faz parte da Coleção Amores Expressos, projeto lançado em 2010 pela Companhia das Letras, que consistia em levar autores brasileiros para diferentes lugares do mundo, onde eles deveriam buscar a inspiração e referências para um romance.