Um choque entre gerações toma fortes e surpreendentes proporções em Diário da Guerra do Porco, publicado originalmente em 1969, que agora recebeu em 2010 um nova edição pela editora Cosac Naify ((li o livro no original, portanto os trechos citados podem não estar traduzidos igual a nova edição da editora brasileira)).
O universo através do estilo narrativo de Adolfo Bioy Casares (1914 – 1999) segue uma linha que tange , nesta obra, acontecimentos extraordinários – num mal sentido – dentro da vida cotidiana. Uma pequena história simbólica que retrata um período na decadente Buenos Aires da primeira metade do século XX aonde o ódio implacável da nova geração vem para engolir os novos anciões, prevendo de forma alegórica a revolução que viria para abalar os anos de 1960.
A história acompanha Isidoro Vidal, um velho que não se considera tão velho e passa seus dias em solidão compartilhada com amigos da mesma idade. Eles são considerados clandestinos dessa época onde apenas o que é novo, presente e imediato faz sentido. Nesse espaço-tempo (perto dos anos 1940), os jovens perseguem, espancam e até raptam os seniores a quem chamam de “porcos”. Além desse massacre, como primeiro plano, há o conflituoso relacionamento entre pai e filho (Isidorito, filho de Vidal) que retrata uma guerra íntima.
Os velhos passam seus dias jogando cartas e vivem de lembranças e histórias para suportar os novos tempos e o futuro – a morte – que se aproxima lentamente antes da chegada dos jovens gerascofóbicos. O retrato desse cotidiano é amargo e intensifica alguns símbolos apresentados em O Sonhos dos Heróis.
Quanto a não discutir, Vidal dava-lhe razão. Falando, ninguém se entende. Entendemos a favor ou contra, como matilhas de cães que atacam ou repelem um inimigo circunstancial.
Soando como uma crônica claustrofóbica (túneis e becos são o terror dentro da narrativa) de uma época, vemos que nem tudo na vida são escolhas, não se pode optar por ser velho ou feio. O tempo é inexorável e destrói – como forma de renovação – o passado, entretanto, aqui, ele não é um agente, aqui os jovens são verdadeiras matilhas prontas para acabar com o reflexo do seu próprio futuro, afinal o nojo que sentem dos velhos e de suas necessidades, aparências e dilemas, irá corroer sua juventude num “futuro” não tão distante.
Bioy Casares mostra que alguns dos velhos também querem confrontar os jovens, tentando resgatar os melhores anos de suas vidas, enquanto outros se conformam e tentam entender todo o furor dessa geração que tem medo de se tornar inútil, decrépita e ridícula.
Na velhice tudo é triste e ridículo: até o medo da morte.
Oscilando numa figura quase psicológica que nos faz duvidar se os acontecimentos são verossímeis ou apenas sonhos de um velho medroso em relação ao novo mundo que surgiu. Afinal, não seria esse pesadelo apenas o medo da morte de alguém que não consegue sair de casa? Vidal mesmo levanta a questão de que em determinado ponto da vida tudo pode ser um sonho. E desse devaneio brota uma surpresa, depois de diversas relações com mulheres feias e mal-cheirosas, Don Isidro é surpreendido pelo amor de uma mulher mais nova.
A narrativa de Diário da Guerra do Porco mostra o talento de Bioy Casares em criar dilemas envolventes e irônicos que permeiam a mente do leitor, uns podem ficar em dúvida sobre esse massacre ser real ou irreal; mas com certeza concordarão que essa história sobre velhice, tempo e sociedade é tão atual quanto um jornal diário.
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