A questão da mímesis (( recriação, na obra literária, da realidade, a partir dos preceitos platônicos, segundo os quais o artista, ao dar forma à matéria, imita o mundo das Idéias [É na Poética, de Aristóteles, que se encontra a primeira teorização acerca desse procedimento da arte; no entanto, para este filósofo, a mimese seria a imitação da vida interior dos homens, suas paixões, seu caráter, seu comportamento etc.] )), essa forma de representação humana, domina há duas décadas, pelo menos, a pesquisa de Luiz Costa Lima, professor da PUC-RJ e um dos estudiosos brasileiros mais reconhecidos mundialmente. O pensamento acerca da mímesis está muito além do que Aristóteles estabeleceu em sua Poética, sendo Costa Lima apenas um exemplo de uma reflexão literária e filosófica que demanda muito conhecimento da parte do teórico e do leitor. Sua última obra, A ficção e o poema (2012), recentemente lançada pela Companhia das Letras, não foge à regra.

Além de um conjunto de ideias do próprio autor, como a da “mímesis-zero”, A ficção e o poema nos oferece visões sobre a representação do imaginário humano através de vários pensadores, sendo que nomes como Kant, Freud, Adorno, Heidegger e Derrida exercem um papel especial no desenvolvimento conceitual de Costa Lima. As duas primeiras partes de três do livro são dedicadas a uma revisão dos conceitos de mímesis, bem como à construção dos conceitos de poesia a eles relacionados.

Para além de uma simples distinção entre “ficção” e “realidade” ou entre “poesia” e “prosa”, o que temos são análises desses caminhos traçados por vários teóricos e de seus problemas. Trata-se também de uma retomada de vários momentos da trajetória de pesquisas do autor, quase uma autobiografia teórica no sentido em que Costa Lima parece nos lembrar de toda a bibliografia que se utilizou até hoje para pensar a mímesis.

Na terceira e última parte do livro temos finalmente um enfoque maior para a poesia, dado pela análise de poemas de Antonio Machado, W. H. Auden, Paul Celan e Sebastião Uchoa Leite. É uma escolha de textos bem variada que parece abarcar todos os dilemas que a modernidade põe para a definição da mímesis para além da imitatio da Antiguidade e para o melhor entendimento da representação ficcional na teoria literária. À parte isso, figuras como Eliot e Baudelaire aparecem a todo tempo como marcantes para a formação da literatura moderna e de suas problemáticas.

O que se percebe é que, apesar da “ficção” do título, realmente não é possível igualar essa noção à de mímesis. Pelo autor, esse último conceito inclui toda uma série de diferenças reforçadas pela sua inserção histórica, daí talvez venha essa variedade tão grande de visões da parte da crítica ao longo dos séculos.

Difícil sintetizar aqui todo o mundo de pensamento que há nesse novo livro de Costa Lima. É uma resposta complexa a várias questões propostas pela modernidade para a ficção e a poesia em sua posição em relação ao mundo. Acima de tudo, A ficção e o poema nos oferece uma reflexão vastíssima e profunda sobre a literatura e a linguagem muito valiosa para o público brasileiro, seja ele leitor de teoria literária ou de filosofia da linguagem.