Se em geral a literatura da Sérvia não é muito difundida por essas bandas, o que dizer então da poesia desse país? Acho que, afora as traduções feitas por Aleksandar Jovanović, não existe mais nada.

O que falta em quantidade, porém, sobra em qualidade: já falei aqui sobre O Bosque da Maldição, de Miodrag Pavlović, por exemplo. Um outro poeta, que é comparável à Pavlović em importância (além de ser seu contemporâneo), é Vasko Popa. Dele existe uma coletânea de poemas intitulada Osso a Osso, traduzida pelo mesmo Aleksandar Jovanović.

A poesia de Popa é singular: ao mesmo tempo em que realiza movimentos semelhantes aos do polonês Czesław Miłosz, apegando-se à detalhes, focando-se em partes para evocar o todo da realidade, Popa abusa de oposições – vida e morte, humano e inumano, ser e não-ser – e, apesar de desprezar as formas poéticas tradicionais, por vezes lança-se à temas históricos e folclóricos.

Essas, é claro, são características mais gerais da obra do poeta sérvio. Em uma carreira bastante longa, porém, muitas mudanças acontecem com o passar dos anos e a seleção feita pelo tradutor mostra isso muito bem: se na primeira porção, dedicada ao primeiro de seus livros (Casca) todos os títulos são nomes de objetos ou animais e os versos apresentam uma linguagem crua, com descrições minimalistas, na porção dedicada à Corte – o último livro de Popa que havia sido publicado quando a coletânea foi organizada – o olhar do poeta se volta ao seu próprio fazer poético e sua linguagem torna-se mais sutil, carregada de desalento.

A edição é bilíngue e, graças a isso, mesmo o leitor que não está familiarizado com o idioma sérvio pode, se for atento, perceber que nem sempre o esquema métrico que Popa utiliza foi respeitado. Mas isso é, de certa forma, necessário: Popa abandona sinais gráficos de pontuação, confiando no ritmo das palavras e na quebra dos versos para substituí-los. Ora, dada a grande distância entre os dois idiomas, torna-se impossível preservar todos os aspectos dos poemas e, pessoalmente, acredito que Jovanović fez uma escolha acertada ao preservar o sentido e o ritmo. As rimas, do mesmo modo, foram preservadas – ou, na pior das hipóteses, compensadas.

Para abrilhantar essa edição soma-se o estudo introdutório sobre a obra de Popa, de autoria de seu tradutor. Existe ainda um prefácio em forma de poesia escrita por Octávio Paz para uma edição mexicana dos poemas de Vasko Popa, também apresentada no original e traduzida por Nelson Ascher. Não se devem esquecer as fotos do encontro do poeta sérvio com Ascher e com Haroldo de Campos, bem como o brinde em forma de poema escrito por Campos e traduzido para o sérvio, além de Monumento ao oxigênio, poema composto e declamado por Popa ao sobrevoar a cidade de Brasília e anotado por Campos – e que, além de traduzido ao português e na versão original, está presente também em fac-símile.

Osso a Osso é uma bela coletânea de um dos mais importantes poetas sérvios. Com todos esses adendos, é um livro imperdível para os poucos amantes de poesia que existem por aí.