Diante de espectadores comuns, Seth MacFarlane (criador, roteirista e dublador da série animada Family Guy) pergunta qual a opinião deles a respeito do programa. Sem saber que estão cara a cara com o responsável pela atração, as pessoas dizem coisas como: “quem quer que seja que tenha criado um programa assim, tem sérios problemas”, “essa pessoa precisa de Deus” – além de deixarem claro que odeiam as piadas sem limite do desenho. Assim foi o especial “comemorativo” do 100° episódio de Family Guy, um desenho sem limites, que coleciona fãs em todo mundo e algumas dezenas de processos – e a culpa é toda de Seth MacFarlane.

O americano de trinta e nove anos lançou seu filho mais famoso em 1999, na Fox americana, inicialmente disputando espaço com o já clássico Os Simpsons no filão de desenhos-para-adultos. Logo, Family Guy ultrapassou o gênero, tornando-se um programa não apenas para adultos, ou melhor, pelo menos não para todos os adultos. Conservadores, pragmáticos, rígidos e embotados, nacionalistas e politicamente corretos logo começaram a suar frio com o desenho que mostrava intensa e abertamente consumo de drogas, homossexualismo, intransigência religiosa, homofobia, pedofilia, matricídio e muito-e-tudo-o-mais – mas não em tom apologético, e sim fazendo humor sem concessões sobre a realidade. Cancelada no terceiro ano, a série foi reavivada pelo canal, graças as boas vendas de DVD’s e apelo dos fãs, e voltou com mais força. Atualmente está no décimo primeiro ano, tendo sido indicada a doze prêmios Emmy’s, inclusive na categoria de Melhor Comédia (feito inédito para um desenho desde Os Flintstones, nos anos 60) e isso tudo é culpa de Seth MacFarlane.

O sucesso mundial (inclusive no Brasil, onde é exibida pelo canal pago FX e na tevê aberta pela Globo, nas madrugadas de sábado), rendeu frutos: Family Guy tornou-se produto rentável, fazendo de Seth o roteirista mais bem pago atualmente em Hollywood e lançando novos produtos do artista: os desenhos American Dad e The Cleveland Show (um spin-off de Family Guy), além da hilária trilogia de Family Guy parodiando Star Wars. Agora, Seth dá um novo pulo e agarra uma poderosa mídia, o Cinema, estreiando com o sucesso Ted.

Ted também tem direção, roteiro e dublagem de Seth (centralizador esse cara, não?), além de Mark Wahlberg e Mia Kunis (que dubla Meg em Family Guy) no elenco. A história do garoto solitário do subúrbio de Seattle que ganha um ursinho de Natal (o tradicional Ted bear americano) que por mágica natalina torna-se vivo e jura amizade eterna, logo perde seu tom açucarado de conto natalino. Trinta anos se passam, Ted envelheceu e seu dono cresceu mas não evoluiu muito na vida, na verdade tudo o que ele realmente tem é uma belíssima namorada que inacreditável e verdadeiramente o ama. Mas a relação imatura do rapaz com seu ursinho (um Ted envelhecido, vagabundo, maconheiro e viciado em prostitutas) ameaça o namoro do rapaz e a garota lhe dá um ultimato: ou ela ou o ursinho.

Metáfora da transição infância/vida-adulta, com uma pitada dos complexos maternos? Que nada! Nesse sentido, Ted é muito superficial. Aliás, maravilhosamente superficial. O pano de fundo um tanto mágico pareceu-me, na verdade, mais uma referência à Spielberg e ao Cinema dos anos 80 e 90 do que uma tentativa de lição de moral. Aliás, o filme é cheiro de referências ao Cinema pipoca de Spielberg, à infância nos anos 80 e até mesmo à melhor criação de Seth: vários elementos de Family Guy estão presentes nesse filme, como as longas e desencaixadas cenas de luta, só porque é legal tê-las.

O que Seth faz nessa sua primeira incursão pelo Cinema e levar todo seu escracho para a tela grande, criando cenas impensáveis, certamente polêmicas e provocando deliciosas risadas. O diretor/autor/dublador não polpa ninguém, nem a própria indústria hollywoodiana (o filme termina com uma maravilhosa piada sobre Taylor Lautner, o menino-lobo da saga Crepúsculo), nem ele mesmo – em certo momento ele faz piada com o fato de Ted ter a voz muito parecida com Peter Griffin, protagonista de Family Guy, também dublado por ele.

Justamente por causa do deboche desmesurado, da explosão crítica e da falta de freios, o filme sofreu algumas repreensões. Aqui no Brasil, tivemos o improvável caso do delegado e deputado federal Protogenes Queiroz (PCdoB) – conhecido pela Operação Satiagraha – que levou seu filho Juan, de onze anos, para assistir ao filme (que tem classificação indicativa de dezesseis anos) e, indignado com as cenas de uso de drogas e alcoolismo, agora tenta boicotar a obra e tirá-la de cartaz, lançando no Twitter a campanha #ForaFilmeTED, que não tem mobilizado muita gente – a não ser para fazer troça do nobre parlamentar.

À parte disso, Ted vai bem nas bilheterias mundiais e tornou-se um blockbuster improvável: com custo de quase US$ 50 milhões, já arrecadou US$400 milhões ao redor do mundo e seu criador já inicia um novo projeto de humor para a televisão, novamente na Fox, mas agora com atores reais e foi convidado para apresentar a cerimônia do Oscr desse ano. Tudo culpa de Seth MacFarlane.