Estreante em longas-metragens, a cineasta Ana Rieper fez um filme a um público muito específico: aqueles que já sofreram de amor, que foram traídos, que amaram mas não foram correspondidos ou que perderam sua metade da laranja; ou seja: a todo e qualquer um de nós, pobres mortais.

Passeando pelas estradas do Nordeste e por pequenas cidades do interior, conversando com gente simples cheias de histórias verdadeiras, o documentário nacional Vou Rifar Meu Coração, desde 03/08 em cartaz, visita dramas e tragédias da paixão utilizando o pano de fundo da popularíssima, mas ignorada pela grande mídia, música brega brasileira.

Ao abrir espaço em tela grande e com distribuição nacional para a verdadeira e até mais popular música brasileira, a cineasta destrói com hilariantes relatos de reais histórias de amor o preconceito que se assentou sobre esse gênero musical, especialmente no canto de cá do país, nas regiões das grandes metrópoles.

Os relatos alternam comoventes histórias, como a do frentista deixado pela mulher e que tem como trilha sonora de sua desgraça uma música de Amado Batista, e entrevistas com alguns dos principais nomes do gênero brega – que não se mostram incomodados com rótulo, exceto, talvez, Agnaldo Timóteo, que provoca gargalhadas da plateia quando, num instante de pura humildade (sic), diz ser melhor do que Roberto Carlos.

Algumas entrevistas são extremamente interessantes à reconstrução da imagem de nossa música popular, como a com o cantor Odair José – autor do clássico Vou tirar você desse lugar, composto para uma prostituta – que diz haver dois tipos de MPB: a “música popular brasileira feita em Ipanema” e a que realmente é popular, tocada nos cantos mais remotos do país, nos botecos do interior e nos postos de gasolina das ermas estradas desse Brasilzão. Em outro momento, Timóteo diz que o que dá ao gênero o rótulo de brega é apenas o fato dele não ter a assinatura de “um Buarque de Hollanda, ou de um Vinícius de Moraes”.

Será? A questão vale a reflexão. O que vejo, como morador de uma cidade da zona metropolitana de São Paulo repleta de migrantes nordestinos e gente humilde, é que nas ruas, nas portas dos botequins e dos bares-karaokês, é muito mais comum ouvirmos Waldick Soriano e Reginaldo Rossi do que Caetano Veloso ou Chico Buarque.

E já que citei Waldick e Reginaldo, ambos são perdas fundamentais ao filme. O primeiro, porque faleceu antes do início das filmagens; o segundo, simplesmente porque não aceitou a oferta – e vê-lo cantando Garçom é uma falta irreparável à trilha sonora. Já a presença de Wando em uma de suas últimas entrevistas é um prazer especial, e a rara entrevista de Lindomar Castilho, que cumpriu sete anos de prisão pelo assassinato da mulher, é curiosa e incômoda, especialmente quando ele fala sobre as loucuras de alguém apaixonado.

O filme perde algumas oportunidades de explorar assuntos interessantes, se mantendo sempre superficial – provavelmente porque a intenção não é levantar bandeiras, mas retratar uma realidade marginalizada –, assim vemos personagens-reais como a travesti que se prostitui à beira da estrada e o casal homossexual dançando apaixonadamente (talvez a cena mais bonita do filme) desencaixados no meio das entrevistas, quase não-relacionados ao tema da obra.

Ainda assim, a viagem proposta por Rieper pela trilha sonora de um Brasil por vezes esquecido é válida e se mostra apaixonante, nos livrando de preconceitos e nos fazendo mergulhar em discussões sobre esse fogo que arde sem se ver, sobre essa ferida que dói e não se sente, mas de um jeito muito mais simples do que Camões, como com aquela canção-chiclete Morango do Nordeste: “Ah, é o amoooor/ Aí ai ai é o amor… É o amor!”.

Direção: Ana Rieper

Gênero: Documentário

Duração: 76 min.

Com: Wando, Lindomar Castilho, Agnaldo Timóteo, Odair José e outros

Classificação: 12 anos