Filosofia ao vivo, de Desidério Murcho, chega em bom momento no cenário brasileiro. Dentre todas as disciplinas básicas que se pode aprender na nossa escola, talvez a mais incompreendida seja a filosofia. É fácil entender que num nível essencial a matemática nos ensina a resolver problemas com números e que a língua portuguesa nos ensina a comunicarmo-nos na norma culta, enquanto a filosofia, por outro lado, acaba sendo relegada, no uso comum, a um sinônimo de “opinião”. Podemos ouvir a todo momento, em conversas cotidianas, algo como: “ok, não concordo, mas respeito sua filosofia”. Mas se filosofia não se discute, e a cada um cabe a sua, qual o sentido de nos dedicarmos ao seu estudo? Afinal, para que serve a filosofia?

Como sugere Murcho na abertura do livro, o estudo da filosofia caminha em sentido contrário ao de um abandono geral do diálogo: “Ter uma formação elementar em filosofia é importante porque nos ensina a pensar melhor sobre problemas de tal modo complexos e difíceis que a tentação é desistir de tentar resolvê-los”, ele explica. Esses problemas próprios da disciplina podem ser tão difíceis quanto “é possível conhecer a verdade?” ou “se Deus não existe, qual o sentido da vida?”, mas as ferramentas racionais com que os trabalhamos são aplicáveis a uma grande gama de outras questões mais práticas. Exercida de uma maneira honesta, a filosofia ajuda a cultivar o hábito de estruturarmos racionalmente nossas convicções e de pôr em evidência nossos próprios pressupostos, ao invés de escondê-los. Como diz Murcho, ela dá a “autonomia para pensar por si”.

Para demonstrar a maneira como procede a filosofia, Murcho adota em seu livro um caminho bastante interessante (e bem característico da disciplina): cada capítulo adota, a princípio, um questionamento geral, inicialmente apresentado dentro de nossa concepção ordinária, para ser em seguida destilado até uma compreensão mais profunda da matéria. O primeiro capítulo, por exemplo, trata da democracia: há razões para defendê-la? Não haveria alternativas melhores? Não se trata, evidentemente, de uma defesa de regimes autocráticos, mas ao explorar essas dúvidas o filósofo consegue mostrar que mesmo nossas convicções aparentemente mais evidentes merecem ser questionadas em algum momento, de modo que possamos substituí-las ou, ao mantê-las, possamos fazê-lo com maior esclarecimento.

No total são nove capítulos que tratam todos de campos chaves da filosofia e vão desde a política até a teoria do conhecimento. Ainda dentro do estilo adotado por Murcho, cada uma das partes do livro remete à seguinte, mostrando que os temas da filosofia estão interconectados e que a reflexão sobre cada um deles levanta sempre uma nova fronteira de questionamentos: o leitor é conduzido da questão da democracia à liberdade de expressão e a autonomia; da política seguimos à ética, explorando as noções de valor e sentido; e daí à Realidade, a possibilidade de conhecimento e de acesso à Verdade.

Pode parecer um escopo muito amplo para um livro tão curto, mas a esse respeito é preciso ter em mente que Murcho traça um propósito diferente do que vemos habitualmente como “introdução à filosofia”. O material que se  encontra normalmente disponível no mercado poderia ser dividido em duas categorias: de um lado estariam as obras de “filosofia para leigos”, em que os temas da filosofia são abordados de uma forma mais próxima possível da linguagem coloquial, enfocando questões práticas, especialmente as ligadas à Ética; do outro lado, os livros introdutórios próprios para estudantes de filosofia, em que os temas discutidos são mais restritos e estão concentrados em torno de um pensador determinado ou do panorama histórico de um problema específico. Filosofia ao vivo, por sua vez, parece se inserir entre esses dois modelos, apresentando uma discussão filosófica ampla, acessível a qualquer pessoa minimamente instruída e que não deixa de lado a linguagem técnica própria da disciplina.

Por ser incomum em seu modelo, é difícil saber qual a total capacidade da obra de Murcho em alcançar potenciais leitores, mas imagino que seja especialmente apropriada àqueles que possuem formação geral em alguma outra área – administradores, economistas, matemáticos, etc. – e que agora desejam se iniciar na filosofia. De qualquer modo, a todos que se dedicarem à sua leitura, Filosofia ao vivo terá muitos questionamentos a suscitar em cada um dos seus parágrafos. Mais que suas próprias soluções ao problemas em tela, Murcho nos oferece um convite e um estímulo ao pensamento filosófico.