Um dos livros que mais claramente nos faz entender porque Gertrude Stein chamou Hemingway, Fitzgerald e outros autores da década de 20 de “a geração perdida” é sem dúvida O Sol também se levanta, de 1926. Nele, a história, os personagens e o cotejo existencial que os circunda transparecem características emblemáticas a respeito do quem foram, o que pensavam e como viviam os boêmios da “geração perdida”. Isso faz do livro uma bela maneira de adentrar na literatura norte-americana dos anos 20, estivesse ela flanando pela Europa ou nos Estados Unidos.

O protagonista da história é Jake Barnes, um homem cuja participação da guerra o tornou impotente. Ele se relaciona com a leviana Lady Brett Ashley, que se apaixona por outros, se mostra promíscua, mas que, apesar de seus desvarios amorosos, parece ter uma ligação muito forte com Jake. Junto com eles, circulam outros sujeitos, como Robert Cohn e Michael Campbell, boêmios que não poupam dinheiro nem esforços quando o assunto é se divertir.

A trama armada por Hemingway valoriza a descrição das pequenas aventuras do personagens pela França e pela Espanha, principalmente em Paris e seu clima romântico, e em Pamplona, onde ocorrem as famosas touradas que tanto fascinaram o autor. Visitando uma porção de cafés e tavernas, bebendo quantidades colossais de álcool e experimentando sensações embaladas por um intenso carpe diem, os personagens de O Sol também se levanta encarnam os ideais hedonistas e decadentes do que foi a “geração perdida”.

Certamente há algo de sedutor em torno da vida boêmia desses sujeitos. A maneira desregrada de se comportar e o gosto aventuroso pelo novo e pelo intenso existem, entretanto, sob o estigma funesto da Primeira Guerra Mundial. O próprio escritor passou parte do conflito dirigindo uma ambulância que transportava os feridos no front, experiência que proporcionou chagas espirituais profundas tanto nele quanto em sua obra. Vale lembrar que O Sol também se levanta é considerado uma roman à clef, uma vez que apesar da carapaça ficcional, trata-se da narração de uma experiência real, no caso, a estadia europeia de Hemingway nos anos 20 e sua vida boêmia nos círculos artísticos e literários parisienses.

Tendo sido expostos ao fantasma da morte através do conflito, aproveitar a vida era uma das maneiras de se purgarem aos poucos do peso dessa exposição. Viver intensamente a vida aproveitando-a hedonisticamente era contrapor-se à morte, era celebrar a existência.

Essa busca por prazer e experimentação de sensações refletia, tanto quanto uma romântica e sedutora aventura, também uma melancólica busca de sentido existencial. Não é um simples “beber para esquecer”, mas todo um repensar acerca da vida e de seu sentido misterioso, e uma reação em detrimento de possíveis outras, como o desespero ou a depressão. Por esse motivo é que, embora o livro todo seja permeado de belas e apaixonantes atividades, persiste por debaixo um sentimento de se estar à deriva.

Ao buscar os touros em Pamplona e enfrentá-los com um misto de bravura e tolice, Jake e seus pares enfrentam-se a si próprios e ao fantasma do desespero que ameaça constantemente sua esperança, sitiada na cidadela espiritual de cada um deles. Enfrentar os touros era a forma externa e visível de lidar com o inimigo interno e invisível. Arriscar-se era sentir-se vivo.

Diante de tudo isso a alcunha criado por Gertrude Stein cresce em significado. O fato de estar “perdida”, para essa geração, não expressa somente o karma de danação que parece constantemente se interpor em suas trajetórias, mas também o fato de estarem à procura de algo, algo que a proximidade da morte na guerra havia tirado, seja um sentido para a existência, seja alguma redenção, seja um objetivo claro ou ainda uma esperança.

Nesse sentido, mais do que vítimas passivas, pura e simplesmente, os personagens – e suas matrizes reais – aparecem como encarnações de uma obstinada luta diária por direção existencial. O hedonismo às vezes parece revestido de individualismo, mas como se pode entender definitivamente o efeito da guerra sobre o sujeito? São questões como essa que fazem de O Sol também se levanta um dos melhores livros para se compreender tanto o que foi a “geração perdida” quanto aquele que foi um de seus mais célebres representantes, Ernest Hemingway.