É difícil acreditar em uma história em que o emissor começa com “Um amigo meu…”. Virou uma piada altamente contagiosa, “Aham, um amigo…”, continua o receptor assumindo o fardo da conversa. Manter uma história factível é complicado e muitas vezes, de maneira involuntária, floreamos para soar importante para os outros como foi para nós. Quando se é pai, as histórias contadas são para amedrontar os filhos – caso façam algo errado – ou para encorajá-los – quando estão com medo. Histórias tem mentiras, lições de moral e toques fantasiosos. Se lembrarmos de Cortázar, grande parte da sua obra tem uma ligação fantástica, mesmo sem um toque feérico, apenas algo que chega ao limite do real como no conto “A autoestrada do sul”.

Posso dizer que Contos Plausíveis, de Carlos Drummond de Andrade, salta do real para o quase irreal. Esse quase é no limite de tudo, porque grande parte das histórias contidas nesses contos poderiam ser reais dentro do microcosmo da plausibilidade: eventos cotidianos transformados em fábulas, assuntos triviais transformados em fantásticos e as alegorias dos contos de fadas. Por isso mesmo, Noemi Jaffe, em seu posfácio elucidativo para esta edição, compara contos do autor com alguns de Machado de Assis e Julio Cortázar.

Amplamente conhecido por seu trabalho com poesia, Drummond escreveu esses contos de bolso, como cita na introdução desse volume, quando colaborava para o Jornal do Brasil. São histórias que começam com aquelas epifanias semelhantes a de quando vamos dormir, em um momento há um espelho, há uma mulher e a história segue até um final – se é que há mesmo um desfecho. Bom humor e doses bem grandes de ironia propagam-se pelo livro. No conto “A Melhor Opção”, em que Fernão Soropita resolve investir seu dinheiro e para isso faz uma dentadura de ouro, a vergonha que aquele reluzente sorriso (amarelo, é bom ressaltar) traz é somado ao seu medo de ser roubado. “As Pérolas” mostra a ganância de uma confeiteira para encontrar pérolas em sacos de açúcar, fazendo com que suas encomendas sejam as mais doces da cidade – o que, claramente, não é bom para os negócios.

A política recebe atenção especial em “A Solução”, onde os especialistas em economia tentam explicar os motivos para o custo de vida crescer assombrosamente e analisam que a culpa não é do estado, mas do fator psicológico. Aliás, o estado é motivo de chacotas constantes: o conto “A Salvação da Pátria” mostra como os heróis da nação estão em botequins e fazem parte de um conselho etílico. Despejando todo o ácido em cima da máquina política, chegamos em “A Volta das Cabeças”: deputados e parlamentares em geral perderam suas cabeças – não é no sentido figurativo – e tentam achar uma solução para a falta delas (dentre elas colocar novas feitas de papelão). Outro grande exemplo das alegorias políticas dentro do livro está em “A Opinião em Palácio”, onde o Rei ordena que a “Opinião Pública” tenha uma opinião.

No quesito existencial, Contos Plausíveis brinca com a busca efêmera pela preservação da beleza em “A Beleza Total”. Gertrudes é a mulher mais bela da cidade, quiçá do mundo, mas não pode continuar a perambular pelas ruas,tamanho o alvoroço que causa e a sua condenação é ficar isolada até o fim da vida. Em uma alusão clara a Branca de Neve, “O Perguntar e o Responder” mostra a incessante procura de Lavínia por um espelho que lhe diga a verdade absoluta: ela é a mulher mais bela do Brasil? Antes ainda temos “A Imagem no Espelho”, uma narrativa fantástica sobre as memórias de um narrador oculto, que desde cedo decide escrever tudo da sua vida antes que a velhice o faça esquecer. Nesse conto Drummond mostra o valor entre a verdade e a mentira dentro de uma fantasia.

Entre os meus favoritos de todo o volume está “A Incapacidade de Ser Verdadeiro”, talvez o mais Drummondiano de todos, que conta a história de um menino mentiroso que é diagnosticado com “caso de poesia”. Outros que ganham um destaque pessoal são “Aquele Bêbado”, a história de um bêbado de poesia e música; “Aquele Casal”, os problemas matrimoniais de Sr. Inclusive e Sra. Alternativa; “Aquele Clube”, uma agremiação de pessoas desconfiadas; e “Aquele Crime”, um crime perfeito que precisa ser revelado pelo criminoso. Todos não passam de meia página e são aprazíveis.

Drummond não deixa de lado a ironia de classe e o pessimismo de praxe. Contos Plausíveis é o outro lado da moeda do autor que produziu pouca prosa – um outro exemplar já tem resenha aqui no Posfácio, Contos de Aprendiz  e como é intitulado no posfácio de Noemi, uma “Prosa de Brinquedo”.

Como nos últimos lançamentos de Carlos Drummond de Andrade pela Companhia das Letras, esta edição de Contos Plausíveis vem com fotos, capa da primeira edição.