Um mecânico e um homem robusto conversam sobre reparos feitos em um veículo. Após pagar e pegar as chaves, esse homem entra no carro, dá partida e sai pelas ruas da Cidade do México, mas logo para num cruzando qualquer, sai do veiculo e parte caminhando pela via expressa sem olhar para trás. Nós, através da câmera fixa do diretor Michel Franco, permanecemos dentro do carro abandonado, já fisgados pela trama e cheio de indagações.

Assim começa Depois de Lúcia, um filme simples em sua essência, simples como a violência, simples como a maldade.

Alejandra e Roberto (o homem que abandona o carro) mudam-se para a capital mexicana depois que um terrível acidente tirou de suas vidas Lucía, mãe e esposa desses protagonistas. Filha e pai tentam reconstruir suas vidas, ambos ainda deprimidos, cada um à sua maneira. Enquanto o pai luta todas as manhãs para sair da cama, Ale parte em busca de amigos no novo colégio e logo parece encontrar uma turma compatível, abastada e livre como ela.

Durante uma festa Ale transa com um dos garotos, que filma toda a cena do seu celular e o vídeo, é claro, acaba vazando por todo o colégio. A partir daí, Ale é ofendida pelos corredores, recebe insinuações sexuais dos meninos e é distratada pelas meninas.

A excelente Tessa Ia conduz sua protagonista com coragem e sobriedade. Alejandra é uma menina racional e madura, que compreende a besteira que foi ter permitido a gravação, assume seus atos e, principalmente, tem força suficiente para encarar as consequências. É essa força que parece desmotivar a garota a recorrer a um “adulto”, a pedir ajuda do pai ou denunciar os boçais da escola ao diretor. Inicialmente ela consegue enfrentar com força as provocações, mas sucumbe paulatinamente à medida que os açoites tornam-se físicos e a insinuação sexual transforma-se em tentativa de abuso. Talvez esse seja um dos raros casos em que dizer que uma personagem perde a força ao longo da trama não é uma crítica negativa.

Depois de Lúcia é daqueles filmes duramente necessário. Em tempos de bullying e ciber-bullying, onde a violência está transvestida de brincadeira, de piada ou de “trollagem”, essa obra revela a crueza da maldade por trás de tais atos.

Para contar essa história o diretor Michel Franco assume acertadas escolhas técnicas. Assim como o tema abordado, sua câmera é dura, estática. Sempre apoiada no tripé, não se movimenta em nenhum quadro. Sua cinematografia também é simples, uma iluminação comum que faz cenário e história parecem documentais. Sabemos, infelizmente, que as desgraças pelas quais Alejandra passa são baseadas em diversos fatos reais.

Os protagonistas são sobretudo jovens, que formam o grupo de amigos de Ale. Esses atores levam suas funções com naturalidade impressionante e em muitas cenas, combinadas com as escolhas técnicas de Michel, esse filme passa a impressão de vida real. A realidade ficcional é construída sem artifícios e justamente por isso o sofrimento de Ale torna-se tão difícil de encarar.

Nossa simpatia e compaixão por Ale vai crescendo a cada instante, assim como por seu pai depressivo (Gonzalo Veja Jr.) que luta para ser bom com a filha, e de fato é. Por outro lado, a maldade irreparável daqueles jovens, misturado com seus rompantes de evidente infantilidade, nos leva ao nojo, mas sobretudo à preocupação e tristeza.

Enquanto a beleza desse filme está toda contida na relação entre pai e filha, a dor de Ale se concentra nos olhos da belíssima Tessa e algo de muito podre se revela nas ações desses jovens. A maldade é um sintoma.

Me agrada quando o Cinema vai além do mero entretenimento e trata de assuntos relevantes. Mesmo que fira ou incomode o espectador, é inegável que o tema tão bem abordado em Depois de Lúcia está na pauta do dia, é um problema global, contemporâneo e, acima de tudo, tem que acabar.

http://www.youtube.com/watch?v=oCP4mYQl7KQ