Todos nós já experimentamos a sensação de encontrar uma obra de arte contemporânea, como uma instalação feita com tijolos, ou uma pintura formada de blocos monocromáticos, e nos sentirmos completamente desconfortáveis e incertos, pressionados pela ideia de um significado oculto. Em parte, essa insegurança vem com o tempo. Para as crianças – como cada um de nós pode resgatar de sua própria infância – nada é completamente estranho;  elas inventam explicações e criam conexões insólitas de maneira espontânea (para divertimento dos adultos ao redor). Nesse quadro, O que é arte contemporânea?, das escritoras Jacky e Suzy Klein, aparece não como uma iniciação ao mundo da arte, do que as crianças não precisam, mas como uma ponte para o mundo adulto, uma extensão para sua disposição criativa de ver as coisas.

Pode ser que a pergunta do título traga, à primeira vista, a ideia de uma explicação sobre o que constitui a arte, sobre o que faz de uma peça de museu algo distinto, mais nobre, acima dos objetos do cotidiano. Mas não é essa a abordagem que as irmãs Klein querem dar à questão. Elas deixam de lado esse viés acadêmico para uma investigação quase palpável, apresentando a cada página exemplos de peças do acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York como se dissessem: “tomem, vejam, isto é arte contemporânea”.

O livro das irmãs Klein, portanto, não é feito de uma questão só, mas se transforma em uma multitude de perguntas, estimuladas pelas obras dos mais de 60 artistas que participam da coletânea.

Atualmente, e mais do que nunca, fazer arte significa fazer perguntas e estabelecer regras próprias.

 

Como ponto de partida, as próprias autoras propõem uma grande variedade de indagações, espalhadas ao longo dos pequenos textos que acompanham cada uma das ilustrações. As mais simples pedem apenas que o leitor use sua própria criatividade, respondendo a, por exemplo: “Qual é a coisa mais inusitada que você poderia imaginar coberta de listras?”.

Em relação ao hambúrguer gigante que ilustra a capa, do artista Claes Oldenburg, as irmãs Klein perguntam, a respeito do tamanho superdimensionado: isso faz com que pareçam mais ou menos atraentes? Pode parecer trivial, mas é uma boa maneira de levar a criança a se aproximar da obra a partir de suas próprias impressões. E, a partir daí, continuar refletindo: será que é o efeito das cores que faz parecer mais apetitoso? Ou é o aspecto macio dado pelo material usado? Como seria possível fazê-lo ainda mais atraente? Ou torná-lo repulsivo, invertendo o efeito?

Dois cheeseburgers completos

Mas há outras perguntas no livro, aquelas que envolvem um entendimento mais conceitual, que podem desafiar até mesmo os adultos. Quando falam sobre o autorretrato de Gillian Wearing, feito com uma máscara que reproduz o rosto da própria artista 20 anos mais jovem, as autoras questionam: “Este novo autorretrato é verdadeiro ou ficcional? Ou é algo entre um e outro?”.

Autorretrato aos 17 anos
Autorretrato aos 17 anos

Essa gradação de perguntas permite que crianças em diferentes idades possam folhear o livro e aproveitar aspectos diferentes. Superficialmente, a fim de dar alguma ordem ao conjunto, as obras apresentadas são agrupadas em pequenos capítulos, que guardam um tema em comum, como o uso de círculos ou de objetos em equilíbrio, mas as próprias divisões acabam revelando, em última instância, que não existem restrições para a arte contemporânea. Cada artista exige um novo aprendizado e serve como um incentivo à sensibilidade e à expressão individual.

Vale a pena destacar também o esforço das autoras em trazer esse universo dos artistas para mais perto das crianças. Assim, a seção das minibiografias, que aparece no final do livro, fala em diversos pontos da relação entre os artistas e seus pais, dos momentos marcantes de suas infâncias, e da maneira como isso os colocou no caminho da criação artística.

Oldenburg mudou-se da Suécia para os Estados Unidos quando tinha seis anos de idade. Como não sabia falar inglês, ele e seu irmão mais novo criaram um mundo imaginário completo, com mapas detalhados, jornais, propagandas e cartazes de filmes.

 

As pessoas das gerações mais antigas vão se lembrar de como era difícil encontrar obras didáticas de qualidade, e como isso fazia com que certos livros “adultos” – aqueles com as ilustrações mais interessantes e curiosas – se tornassem tesouros a serem repassados de tempos em tempos. Nesse espírito, “O que é arte contemporânea?” aparece hoje como uma ótima adição a qualquer biblioteca, capaz de entreter a curiosidade visual das crianças por muitos anos.