Ontem, falei um pouco de Daniel Handler e da decepção (ainda que não total) causada por seu Por isso a gente acabou, lançado ano passado.

Mas é bom ressaltar que nem só de Daniel Handler foi feito 2012. A editora responsável pelo autor no país resolveu lançar, de uma só tacada, TRÊS livros novos de Lemony Snicket. Falarei hoje dos dois que saíram pela Companhia das Letrinhas, o selo infantil da Companhia das Letras. O compositor está morto e O latke que não parava de gritar: uma história natalina. O da editora Seguinte fica para amanhã.

o latke

Os últimos serão os primeiros. Para quem já conhecia O pedacinho de carvão, publicado em 2010, O latke que não parava de gritar não causará grande estranhamento. O livro também é quadradinho, com capa dura e brilhante, meio que para o metálico. A maior diferença se encontra no estilo das ilustrações, pois, ao invés de Brett Helquist (ilustrador também responsável por Desventuras em série), foi Lisa Brown que desenhou o latke e suas aventuras. E é, afinal, mais um conto ambientado em certa época do ano em que objetos inanimados ganham vida. Mais uma história natalina…

E é nesse momento em que o latke começaria a gritar por causa da minha resenha. Na verdade, ele começou a gritar porque, né, ninguém é obrigado a aguentar calado quando jogado no óleo quente de uma frigideira. Mas o fato é que ele continua gritando por razões diferentes. Por exemplo, por ele não estar nem aí para o Natal! Ele pertence, afinal, ao Chanucá, uma festa completamente diferente! Assim como ele é completamente diferente de uma batata suíça! Ninguém merece falta de cultura! Humpf.

Enfim, o livro – que conta com uma tradução bem gostosinha de ler, feita por Antônio Xerxenesky – é uma historinha divertida, com toques do humor negro-absurdo-didático do autor, que deve vir bem a calhar para quem quer apresentar o Chanucá aos filhos, num mundo em que o Natal é o centro das atenções.

Como Friends continua sendo meu referencial teórico, afirmo: O latke que não parava de gritar deve funcionar muito melhor do que se fantasiar de Tatu do Chanucá. Fica a dica para aqueles que pretendiam se inspirar no Ross

armadillo

O compositor está morto não tem nada de despretensioso. A faixa etária de leitores pretendidos é a mesma – não à toa foi publicado pela Companhia das Letrinhas, dedicado aos livros infantis da Companhia das Letras –, mas outra é a escala de ambição.

A história é simples: o que move a trama é a investigação de um vaidoso inspetor acerca da passagem do compositor do momento de composição ao de decomposição. Ele levará adiante o inquérito de cada um dos setores da orquestra – cordas, metais, madeiras e percussão – até encontrar o responsável pelo assassinato. Essa tarefa propicia que o autor se utilize do humor – como descrevi anteriormente – negro-absurdo-didático que lhe é tão característico.

Quanto ao “didatismo”, este geralmente se revela em sua escrita quando Snicket se propõe a explicar, pelo contexto ou por meio de um exemplo disparatado, o que significa uma palavra ou uma expressão popular. No caso da obra em questão, o escritor se dedica a explicar a importância de cada um dos setores de uma orquestra – e quando o faz, me lembrou da cena inicial (e da apresentação que se dá durante os créditos finais) do fabuloso Moonrise Kingdom, filme mais recente do diretor Wes Anderson.

A destreza do autor para ensinar termos familiares aos músicos não estaria completa se o livro se restringisse ao combo composto pela prosa divertida aliada às ilustrações de Carson Ellis (um primor, por sinal). Contudo, O compositor está morto vem com um cd em que a narração do autor se harmoniza com a música de Nathaniel Stookey (na orelha, descobrimos que ele é “um compositor ainda vivo que não está acima de qualquer suspeita”). E quando digo “do autor”, estou me referindo ao autor mesmo: se em português a tradução de Érico Assis é narrada por Fábio Góes (compositor e músico responsável pelos discos Sol no escuro e O destino vestido de noiva), em inglês é o próprio Lemony Snicket que faz a narração. Sim, o disco contém os dois áudios, assim como o livro é bilíngue.

O gran finale é espetacular! Com exclamação e tudo. Ironia refinada.

Algumas pessoas me perguntam a razão para eu ler tanta literatura infantil, infantojuvenil, YA, MG, NA etc. Alguns amigos ficam severamente preocupados com a minha sistemática “perda de tempo” – principalmente quando admito que li um livro ruim atrás do outro – e me questionam a respeito disso. Quando é ruim, costuma ser bem ruim. Quando é mais ou menos, normalmente dá para dar um desconto e imaginar como seria uma criança ou um adolescente lendo aquilo. Mas, quando é bom – ou excelente, como parece ser o caso –, você deseja voltar a ser criança em 2013, só para ter acesso a esse livro aos 5 anos de idade. Ou você deseja que uma máquina do tempo tivesse mandado o livro para o Recife de 1992, mais especificamente para um apartamento perto da Av. Visconde de Jequitinhonha, na divisa entre Boa Viagem e o município de Jaboatão dos Guararapes.

Ou, mais simples, você não deseja nada: você se torna mesmo uma criança de 5 anos de idade enquanto lê 50 míseras páginas acompanhado do que é tocado em um cd bacanudo. Explica, né?