Richard Linklater causou surpresa ao anunciar Antes da Meia-Noite, o filme que viria fechar a trilogia formada por Antes do Amanhecer e Antes do Pôr do Sol. A impressão que se tinha é que a relação de Céline e Jesse deveria existir para sempre no mistério, na dúvida se ele perdeu ou não o avião. Talvez, como a própria Céline diz, eles só funcionassem em encontros breves, caminhando por cidades europeias no verão.

É essa a pergunta que, de certa forma, o filme faz. Linklater escreveu o roteiro acompanhado por Julie Delpy e Ethan Hawke e fica clara a intimidade que eles têm com os dois personagens, e é isso que torna Antes da Meia-Noite tão real.

Jesse realmente perdeu o avião, ele e Céline vivem juntos em Paris e têm duas filhas gêmeas. Nesse verão, eles foram convidados a passar algumas semanas na casa de um renomado escritor no sul da Grécia, e o filme começa com Jesse levando Hank, o filho de seu primeiro casamento, ao aeroporto e mandando-o de volta para a mãe nos Estados Unidos.

A cena inicial demonstra o quanto Linklater amadureceu como diretor nos últimos 9 anos e se baseia, surpreendentemente, no que não é dito. Na cena entre Jesse e Hank no aeroporto o filme estabelece seus temas: a dificuldade de comunicação entre duas pessoas, por maior que seja o amor entre elas. Jesse fala para um filho que aparentemente não o escuta, ou não se importa, mas que no final demonstra uma sensibilidade e um carinho enormes. Linklater é, afinal, um otimista.

Depois desse pequeno “curta dentro do filme”, Jesse entra no carro e ele e Céline começam o diálogo que irá percorrer todo o longa. Mas dessa vez, ao invés de investigações metafísicas sobre o amor, ou reminiscências amargas do que poderia ter sido e não foi, eles falam sobre coisas práticas: o emprego de Céline, a garota por quem Hank se apaixonou no verão, se devem ou não parar nas ruínas que as meninas desejam ver. A naturalidade, dos diálogos e das interpretações, dá realidade e peso a essa conversa aparentemente banal e começa a indicar que o que está em jogo ali é a relação entre amor e convivência.

Os paradoxos entre amor, convivência e incomunicabilidade norteiam quase todas as conversas do filme e funcionam de forma deliciosa e divertida, real e ao mesmo tempo infinitamente mais interessantes do que conversas verdadeiras e são fruto do olhar agudo do diretor para o amor e seu talento como roteirista. No entanto, há outros dois assuntos recorrentes que, infelizmente, acabam deslizando em clichês: o sexo e a diferença entre homens e mulheres.

Embora a cena do almoço seja uma das melhores coisas que Linklater já escreveu e a adição de outras vozes, além do casal principal, funcione muito bem no filme, o personagem de Stefanos às vezes incomoda. Stefanos é um mecânico grego, extremamente físico e que parece não pensar em nada além de sexo. Para uma trilogia que fala sobre o amor, esses três filmes falam surpreendentemente pouco de sexo e quando o fazem é como algo um tanto descolado e isso fica bastante claro nessa sequência.

Além de concentrar um personagem que só pensa nisso, o filme coloca o sexo como uma preocupação majoritariamente masculina, ao mesmo tempo que cai no lugar comum do homem que “é simples demais” na cama. Essa fala se junta a dezenas de outras que giram em torno de “homens são assim, mulheres são assado” e que quase sempre apenas reproduzem clichês, como afirmar que mulheres têm o instinto de cuidar, enquanto homens são egoístas. Um autor tão capaz de criar personagens complexos e multidimensionais poderia subverter, ou pelo menos deixar de lado, esse tipo de discurso.

Ainda falando em clichês de gênero, Céline, em alguns momentos, vira um estereótipo de si mesma nesse filme. Nos dois anteriores ele era a jovem dividida entre seu feminismo e a vontade de cuidar e amar, de fazer algo pelo outro. Aqui ela parece se esforçar para ser a vítima, a mulher oprimida pelo marido artista. Sua reclamação soa falsa e, quando nem mesmo Jesse a reconhece, faz a personagem parecer uma louca histérica que dá voltas em torno do mesmo problema sem sentido. Poderia funcionar, já que o filme fala do quanto é difícil manter o amor quando nos deparamos com esse lado da personalidade do outro, mas se aproxima demais de um estereótipo feminino negativo para isso.

Mas se por um lado, Linklater fala mal sobre sexo, ele o filma muito bem. A cena em que o casal começa a transar é sensual e espontânea e naturalmente vai se desfazendo em uma das brigas mais amargas do cinema. É nesse momento que Antes da Meia-Noite mais difere dos dois filmes anteriores: não é um filme sobre pessoas se apaixonando, mas sobre pessoas lutando para se manterem apaixonadas. Ambos acusam, dizem verdades doloridas e mentiras cínicas. A histeria de Céline à parte, o que o espectador vê é um replay dos seus piores momentos em um relacionamento. Não há sadismo como na cena do motel de Namorados para Sempre, há apenas fragilidade, cotidiano e os defeitos que todo mundo tem. Por vinte minutos o filme escancara as falhas no conto de fadas do amor e destrincha o que acontece depois que dois estranhos saem juntos do trem em Viena.

Mas Linklater, Delpy e Hawke são três otimistas e três apaixonados pelo universo que criaram. O final de Antes da Meia-Noite é charmoso, romântico sem ser melado, real, como tudo no filme. Em um filme estruturalmente simples, como os anteriores, mas cheio de sutilezas imagéticas e interpretações emocionais, os autores fazem uma radiografia do amor moderno e maduro e o resultado final é que ele é amargo, mas é maravilhoso.