Dia 12: C’est fini.

It’s over. Es ist vorbei. Vi dois brasileiros, dois russos, cinco franceses, dois argentinos, dois suecos, um chinês, um italiano, um turco, um georgiano etc, mas a coisa mais diferente, de longe, foi americana. A seguir, tentarei articular a experiência de assistir a Os Convidados (Ken Jacobs, 2014), minha última sessão da Mostra e algo que eu só recomendaria para os espectadores mais aventureiros. É algo que os teóricos classificariam como acinema; não tem nada parecido com uma narrativa aqui, tampouco um “tema” propriamente dito. Ou melhor, o tema é o próprio cinema e suas possibilidades.

Na década de 1990, Ken Jacobs encontrou um filme perdido dos irmãos Lumière, uma cena de alguns segundos que mostra convidados chegando em um casamento. Algo claramente o fascinou nessas imagens, porque, duas décadas depois, ele as esticou em um experimento em 3D de 73 minutos com som estéreo. Os Convidados é não apenas o filme mais experimental a que assisti na Mostra, mas também provavelmente a coisa mais avant-garde que eu já vi em uma sala de cinema com uma tela grande e um sistema de som decente.

3D é um truque. Eu não vou descrever o processo em detalhes aqui, mas, basicamente, cada olho vê uma imagem e o cérebro, para compensar a discrepância, cria a ilusão de três dimensões. Isso geralmente é atingido através de uma filmagem com duas câmeras simultâneas; ou seja, são imagens separadas pelo espaço. Jacobs, trabalhando com um filme produzido na infância do cinema, atingiu o efeito através da sobreposição de frames que originalmente se encontravam em sequência; ou seja, é um 3D baseado no tempo.

Até aí, tudo bem. Mas como ele conseguiu transformar uma cena de alguns segundos em um filme de mais de uma hora? Simples: ao invés de manter uma progressão de frames tradicional (ou seja, aproximadamente 24 por segundo, embora filmes daquela época geralmente tivessem menos), Os Convidados opera em 10 frames por minuto (segundo os cálculos que fiz de cabeça e correm o risco de estarem errados). Ou seja, estamos basicamente vendo uma sequência de imagens estáticas que mudam ligeiramente a cada 6 segundos.

Isso, aliado ao 3D, cria ilusões de ótica bem interessantes. Coisas que estão em primeiro plano começam a se confundir com o fundo, e vice-versa. Brancos e pretos se misturam, mesclando cabelos com roupas e pele com luz, de forma que às vezes metade de um corpo, ou apenas um rosto, parecem flutuar fantasmagoricamente. Aberrações óticas são geradas, como um cavalo de seis pernas, uma pessoa de quatro braços ou uma mulher sem cabeça carregando uma cesta de vime.

Só para ferrar mais com o seu cérebro, uma hora o Jacobs lava a tela com um filtro vermelho, e em dois momentos a imagem é reproduzida em negativo. Essas brincadeiras são ornamentadas por um design sonoro que constantemente alterna silêncios com som ambiente de passos, vozes, cascos de cavalo e surtos de trilha sonora.

Obviamente, algumas pessoas saíram da sala durante a sessão. Não as culpo; o experimento começa a se tornar cansativo em algum ponto perto dos 60 minutos, e meus olhos estavam genuinamente doendo ao final da sessão. Quem ficou, contudo, pôde testemunhar o momento mágico em que o filme começa a rodar na velocidade normal, e depois um pouco mais lento e ao contrário.

Eu não finjo manjar de cinema experimental (apesar de gostar de Anger, Deren, Brakhage etc), mas Jacobs está claramente tentando usar uma apropriação de imagens antigas para criar o mesmo tipo de fascinação que elas geraram na época em que foram filmadas. Cinema, afinal, começou como um truque. Os Convidados não quer criar a ilusão de três dimensões, tampouco de movimento; ele quer chamar sua atenção para como essas ilusões são criadas dentro da nossa própria mente.

P.S.: Não tem como avaliar esse filme objetivamente de forma numérica. Eu teria que dar uma nota à “experiência de assistir a Os Convidados no CineSesc às 15:00 do dia 29 de Outubro de 2014,” o que não faz o menor sentido.

P.P.S.: Eu gostaria de agradecer à meia dúzia de gatos-pingados que acompanhou isso. Até o ano que vem, se estivermos vivos.