Na quarta capa, há os seguintes dizeres.

Cabeleireiros islandeses são as pessoas mais felizes do mundo.
Bea não é uma cabeleireira islandesa.
Jonah também não.
Mas juntos eles podem encontrar algo próximo à felicidade.

Eu adoraria que a última frase não existisse. Ainda que ela faça sentido e não prometa muita coisa (o que é, afinal, “algo próximo à felicidade”?), parece conspirar contra o espírito desse YA. Daí você me pergunta: Mas, Tuca, será que a abundância de rosa não é pior nesse sentido? Você não teve problemas de ler o livro no busão? E eu respondo: Não, o rosa não compromete em nada o tom do livro. Mas só lendo pra conferir isso e poder discordar de mim. Creio que o livro ficou bonito assim – bem bonito, aliás: as folhas que dividem os meses da história e a tipografia utilizada para dar título aos capítulos demonstram um respeito imenso pelos adolescentes (não é porque é YA que tem que ser kitsch, o tipo de coisa que no futuro vai te fazer vergonha na estante de casa). O projeto gráfico é até bem clean e minimalista. E, finalmente, essa coisa de coverflip 1 para atender a públicos distintos é meio século 19 demais para o meu gosto.

Voltemos ao que nem começamos: cabelereiros islandeses, né? Essa é uma informação curiosa guardada por Bea, a protagonista e narradora. Sua mãe anda muito emocionada com tudo, meio obcecada por galináceos e, bem, meio louca. Seu pai é meio ausente, um professor universitário muito dedicado ao trabalho – que, o pior de tudo, vive provocando mudanças de cidade, em busca de alunos mais inteligentes ou uma melhor universidade para lecionar. Bea já está acostumada com isso. Assim como está acostumada com a falta de emoções maiores pelas coisas. Ela tem um senso de humor estranho, meio para o sarcástico. Ela é a Garota-Robô – numa óbvia, mas eficaz, referência ao personagem de lata que busca um coração em O mágico de Oz.

Numa nova cidade, no último ano antes de ir para a faculdade, ela conhece Jonah, o Garoto-Fantasma.

Um menino de cabelo claro passou pela fileira para o assento ao meu lado. A pele era branca como farinha e os olhos, cinza como gelo de lado. Parecia um fantasma. Tinha cheiro de menta, tipo Vick Vaporub. Eu não conseguia decidir se isso fazia com que ele parecesse mais fantasmagórico ou mais mundano.

Parece mais uma daquelas histórias de amizade improvável (por serem duas pessoas antissociais), misturada com mais uma daquelas histórias de pessoas estranhas que se entendem (idem). E, bem, é isso mesmo. Mas é sempre legal ver a inteligência do leitor não ser subestimada: se você, autor, diz que o seu personagem é assim, não vale forçar para que ele fique assado subitamente, só para que o final seja o mais feliz de todos.

O livro tem muita coisa que não está descrita na orelha e não sou eu que vou mandar os spoilers. Eu seria estrangulado depois pelos leitores do livro, assim como espero que tenham sido estrangulados cada um dos resenhistas que já estragaram surpresas de outros bons YA, tipo As vantagens de ser invisível.

Aliás, eu tenho pra mim o seguinte: quem gostou do livro ou do filme do Chbosky, vai gostar de Como dizer adeus em robô, de Natalie Standiford. São diversas as razões. As vantagens de ser invisível é praticamente uma lista de referências a ser percorrida pelos leitores mais fiéis – o que não falta é livro e música interessante pra se procurar. Em Como dizer adeus em robô ocorre a mesma coisa, só que para músicas e filmes clássicos – e a presença de filmes reais 2 torna a personagem ainda mais interessante de se conhecer. O apreço pelas tecnologias mais antigas se reflete em ambas as narrativas: máquina de escrever, no primeiro (acho que as fitas cassete não contam, porque parecem ser da época mesmo, não algo vintage); telefone de discar (literalmente, é daqueles de “girar o disco”) e programas interativos de rádio, no segundo. Há outras coisas que se assemelham, mas falar delas é entrar na zona proibida dos spoilers. 3

Para mim, outras coisas serviram de selo de aprovação ao livro. Já falei de David Levithan por aqui, 4 e essas outras coisinhas são todas relacionadas a ele. Primeiro: David Levithan foi o editor do livro nos Estados Unidos. Segundo: Rachel Cohn, que escreveu com ele livros como Nick and Norah’s Infinite Playlist, é uma das pessoas que recomendam o livro na quarta capa. Terceiro: o Carmichael’s, a livraria que aparece no livro, lembra (e muito) as livrarias de Boy Meets Boy (em que se pode dançar como um louco na sessão de autoajuda durante um pocket show) e Dash & Lily’s Book of Dares (que funciona como uma caixa de correspondências secreta entre amigos). Parecem pequenos easter eggs, pra quem já conhecia o editor do livro.

Em 2013, já tive algumas decepções profundas com uns YA que as pessoas têm lido e curtido por aí. Então é sempre bom recuperar a confiança no gênero, como ao ler o romance Standiford. Se, no final, não me senti exatamente como um cabeleireiro islandês, pelo menos a sensação foi boa o suficiente pra ser o equivalente a ter o cabelo cortado por um deles.

P.s.: A imagem acima é da banda Tiger Beat, composta exclusivamente por autores de YA. Natalie faz parte da banda. E, pra quem já tiver lido e gostado do livro, neste link há algumas referências citadas pela autora nele.

  1. A polêmica começou no Twitter, foi discutida pelo The Guardian e, a partir daí, invadiu o Tumblr com força total.
  2. Ao contrário do que ocorre em Por isso a gente acabou, de Daniel Handler, cujos filmes são inventados a fim de serem considerados obras-primas por todos os leitores, só porque Min diz que o são – o que, lógico, funciona ao contrário, se você considera a protagonista uma bela de uma chata.
  3. Spoilers leves aqui. Você foi avisado. (1.) Todo o lance de ser “invisível” e não participar ativamente dos eventos característicos da idade (exemplo: festas) aparece também neste livro. (2.) Além disso, há uma pequena equivalência entre um dos filmes favoritos de Jonah, Female Trouble, e o mais amado pela galerinha wallflower, o musical The Rocky Horror Picture Show. Pesquise por sua própria conta e risco. 😉
  4. Aliás, a Galera Record finalmente lançou no Brasil o livro que deu origem a toda a minha obsessão pelo Levithan, livro que ainda não cheguei a ler (risos) (atualização: já li e adorei.).  Will & Will – um nome, um destino é o título em português do romance, escrito por ele e pelo nerd mais legal da literatura (atualmente, tá? Douglas Adams, não tem razão pra ficar com ciúmes…) e já encontrei em todas as livrarias pelas quais passei nos últimos dias.