Paltiel Kossover seria um dos melhores poetas de língua ídiche do século XX. Seus poemas cheios de dor e de piedade seriam capazes de ultrapassar barreiras, incluídas aí as da língua, religião e ideologia. Isso porque ele era um poeta torturado: divido entre um misticismo religioso judaico incipiente e a doutrina Marxista-Leninista que deveria ter substituído suas antigas crenças – mas que apenas somou-se a elas – ele sofria pelos judeus e também por todos os que, de algum modo, fossem excluídos.

Seria, mas não foi. Durante os expurgos promovidos por Stálin no fim da década de 40 e início da de 50, ele acabou sendo preso e condenado – oficialmente por traição, por conspiração; na realidade por ser judeu, por ser poeta. Mas não é realmente essa a razão de ele não ter seu lugar assegurando no panteão dos grandes poetas – muitos foram perseguidos e quase apagados da história apenas para, mais tarde, serem redescobertos e receberem a atenção merecida. Digo que ele seria, mas não foi, porque ele nunca poderia ter sido: é uma criação de Elie Wiesel.

Ainda assim, sua história é semelhante a de muitos poetas – judeus e não judeus.  O judaísmo de Kossover, porém, é o que o aproxima de Wiesel: sua primeira lembrança é um pogrom e, por toda a sua vida, foi atormentado pelo espectro do antissemitismo, que nunca deixava de violentamente apontar-lhe sua própria outridade.

Em Testamento de um poeta judeu assassinado, Wiesel conta a história de Kossover através de um testamento lido por seu filho, Gershon Kossover. Grisha – como é apelidado pelos pais – é ele próprio um poeta. Também é mudo desde um acidente na infância. Ele não tem nenhuma memória do próprio pai, que foi preso e executado quando Grisha ainda era muito pequeno. Os cadernos que lhe foram entregues por um misterioso vigia e um dos poucos exemplares restantes da obra poética de seu pai são tudo o que ele conhece. E, assim, ele conhece tudo.

Usando de um tom que faz a história parecer verdadeira – e, inclusive, citando os poemas de Paltiel durante o livro – Wiesel cria um romance terrível, uma elegia a todos os poetas judeus que foram perseguidos pelo simples fato de serem o que eram – e não poderem, de modo algum, ser alienados disso. Nem mesmo as tentativas desses homens podiam fazer com que eles fossem menos judeus, com que eles fossem menos poetas.

É, também, uma história – nua e cruel – do século XX, com suas perseguições, guerras e sonhos. Certamente de um ponto de vista parcial, que é o ponto de vista judeu. Não se deve pensar, porém, que a auto-piedade é a tônica: apesar de todas as perseguições que esse povo sofreu, Wiesel opta por uma confusa, mas compreensível, alegria triste.