Eu sei que o editor deste site está esperando o dia que meu texto vai vir com uma enorme história de drama e desastre em que eu só cheguei pro filme porque perdi três órgãos internos no caminho. Ainda não é hoje! Mas confiei inocentemente que entrevistas no consulado da Índia aconteciam no horário (uma dica para quem um dia precisar: não acontecem), então, para minha sorte, e infelicidade dos que queriam a história sangrenta, nem deu tempo de começar a correr e o dia ficou com só dois filmes.

Habi, A Estrangeira – Anália é uma moça que faz entregas de peças de artesanato. Um dia, ao ir a Buenos Aires, ela decide abandonar tudo e se juntar a uma pequena comunidade muçulmana. Anália apaga seu passado, mente seu nome, diz que perdeu a família e busca se integrar ao máximo a esse novo grupo.

Para o filme de uma estreante, impressiona o quanto a diretora consegue trabalhar o não dito e as imagens: é visível a descoberta da sensualidade da personagem, e o espectador advinha muitas vezes o rumo da história pelos sinais visuais que lhe foram dados antes. Esse silêncio é ajudado pela excelente interpretação de Martina Juncadella, capaz de expressar muita coisa com uma forma de andar.

Segundo a diretora, que esteve presente para debate após a sessão, é um filme sobre uma jovem que precisa entender quem é e para isso precisa tornar-se outra. É uma história esquisita, que acaba funcionando como metáfora para algo universal. É um filme agradável, bonito e singelo, boa lembrança da simplicidade que já fez ser tão bom o cinema argentino.

Inside Llewyin Davis – Algo que sempre me chamou atenção no cinema dos irmãos Coen é que, descontada aquela fase que rendeu coisas como O Amor Custa Caro e Matadores de Velhinhas, suas comédias sempre pareciam ter um espírito de subversão, uma rebeldia quase adolescente que se recusava a aceitar limites: O Grande Lebowski, Fargo e Queime Depois de Ler têm um senso de humor que inevitavelmente te faz pensar o que passa pela cabeça desses dois.

Inside Llewyin Davis parece ser o primeiro filme em que eles conseguem tirar esse senso de humor do centro e ainda assim inseri-lo na história.  É o primeiro filme “sério” da dupla que ainda faz rir, e não irei me aprofundar muito, porque logo menos sai uma crítica aqui no Posfácio.

O filme acompanha Llewyin Davis, um cantor de folk fracassado (como não poderia deixar de ser, para um protagonista dos Coen) que vaga por sua própria vida depois de ter se separado do parceiro. É um filme melancólico e engraçado, com um tipo de simbiose entre graça e melancolia que talvez só os Coen pudessem alcançar. Sinto falta da rebeldia incendiária, mas é inegável que os irmãos se tornaram grandes diretores.