“Nunca confie em alguém que não trouxe um livro consigo.”

Não é a primeira vez que uso a citação de Lemony Snicket na abertura de um texto. Já o tinha feito quando listei alguns livros que me acompanharam à sala de espera, tentando distinguir os que se prestavam à “espera” característica do ambiente daqueles que não funcionavam muito bem nesse sentido.

Voltei ao Recife e lembrei de você. Estou aqui há quase uma semana e ficarei mais um pouco, até a Fliporto. Todo dia dou uma passada pela praia. Sempre levo um livro. Às vezes, dois. Pensei, então, em fazer uma lista tipo aquela outra, com os livros que li na praia em minha passagem anterior pelo Recife (viagem esta cujas experiências geraram a coluna “Estive em Recife e lembrei de você”) e os que trouxe nesta última. Reiterando: na praia! Não valem os lidos no conforto do ar-condicionado.

Afinal, o livro é bom ou não de ser lido na praia? Sou suspeito, pois meio que gosto de ler sempre e não acho que aqui caibam as regras da sala de espera.

Eis a minha mui subjetiva lista.

As iniciais, de Bernardo Carvalho11178_g

Esse era o único romance do Bernardo, entrevistado para o Posfácio recentemente, que eu ainda não lera – ao menos, antes de ele lançar Reprodução. Então eu já estava habituado com o estilo dele, que pode ser considerado um pouco difícil para um leitor de primeira viagem. Ainda que o livro tenha algo de enigma a ser resolvido – um mistério envolvendo uma caixa de madeira, iniciais denominando lugares e pessoas –, concentrei-me na leitura de tal forma que findei o livro no mesmo dia. É um dos três melhores livros do autor, para mim, ao lado de Onze 1 e O filho da mãe. Dica: use um bom protetor, que dure por bastante tempo.

12911_ggFama – um romance em nove histórias, de Daniel Kehlmann

Comprei esse num sebo pouco antes de viajar. Alguém mo tinha recomendado como um A visita cruel do tempo mais bem escrito. Não entrarei no mérito da questão: os dois são muito bons e têm propostas diferentes. O fato é que Fama se enquadra na mesma categoria do livro de Jennifer Egan: finda a leitura, ganhou status de favorito. O bom de ele ser dividido em “nove histórias” que se entrecruzam é que dá para ler um pedaço a cada dia; assim, você aproveita a praia e economiza o livro. Tome uma água de coco ao final de cada capítulo e deixe o próximo para o dia seguinte (se puder!).

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Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera

Eu enrolei bastante durante a leitura deste. Ocorreu-me de o final da leitura se dar quase um mês depois do início, durante uma partida de vôlei duns amigos, uma dessas que duram até o sol se pôr. Eu, na praia, em frente ao mar. Acho que o livro foi escrito para ser lido com esse tipo de contemplação. O romance é longo demais para ser lido inteiro na praia – se tentasse, certeza que teria me distraído com facilidade –, mas acho que a leitura só tem a ganhar se você tiver como ler um trechinho dele sentado na areia.

Cama, de David WhitehouseDavid_Whitehouse_Cama_154-140x210

O lado positivo desse romance, que resenhei para o Jornal Rascunho, é que ele pode ser usado como pá para encher os baldinhos das crianças construindo castelos. Isso é tudo .

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Cloud Atlas, de David Mitchell

Engraçado que eu tenha escrito que Barba ensopada de sangue era longo demais para ser lido na praia. Li 3/4 de Cloud Atlas na praia e, mesmo sendo um livro difícil pacas, eu não conseguiria não recomendar. É um livro bom de ser lido a qualquer momento, um livro que transcende a minha listinha sobre livros na praia. Um livro pra vida, como já devo ter deixado claro.

CAPA_DIVULGA_O_GUILHERME_SMEEVemos as coisas como somos, de Guilherme Smee

Depois de ler um dos contos na praia, percebi que o livro de estreia do autor era leve o suficiente para um experimento: ler deitado em uma boia de piscina. Não queria correr o risco de molhar o kindle e Duna, de Frank Herbert, era pesado demais para ser sustentado no alto por muito tempo. Eu, que gosto de ler novos autores na mesma medida em que tenho um medo horroroso de ser puro desperdício de tempo, não saí decepcionado; foi, afinal, uma boa leitura. 2

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Quatro soldados, de Samir Machado de Machadoquatro-soldados-350

Esse é o único que li até o momento, nessa última vinda ao Recife; culpa do smartphone, talvez. Li duas das quatro partes ainda em Curitiba; a terceira, no voo. A quarta ficou para a praia. Pois bem, repito a dica que dei acima: use um bom protetor, que dure por bastante tempo. Eu ainda não tinha comprado um e pensei “Ah, vou ficar só bem pouquinho na praia, nem vai dar tempo de me queimar. Vou sem protetor mesmo.” Quando me dei conta, restavam apenas 20 páginas para o livro terminar e eu estava prestes a tostar. Se eu tivesse obedecido aos meus instintos e não guardasse as páginas finais para ler em casa, estaria agora com uma bela duma insolação. Repito: use filtro solar. De preferência, peça a alguém habilidoso o suficiente para passá-lo sem que seja necessário você largar o livro.

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Três livros me encarando sobre a mala, pedindo para serem levados à praia

* Uma teoria provisória do amor, de Scott Hutchins

* O mundo fora dos eixos, de Bernardo Carvalho

* Aberração, de Bernardo Carvalho

  1. Creio que seja impossível gostar de Onze e não gostar de As iniciais. Os dois parecem se complementar.
  2. Além de ser um livro divertido, o autor lembrou-me, sendo ele próprio um Gui, de que no livro também há um Gui, tema da minha coluna anterior. Lembrou-me também de que a novela O professor de botânica de Samir Machado de Machado, autor do excelente Quatro soldados, também tem um Gui. E eu também gostei desse livro! Estou tentado a acreditar que Guis são sinônimos de qualidade.