Sem dúvida, ele é um dos mais importantes nomes do jornalismo literário brasileiro. Ao longo de mais de trinta anos de carreira, esteve em contato com grandes figuras do universo das letras, trabalhando em diferentes veículos da imprensa carioca e paulista (atualmente dividido entre os jornais O Globo, do Rio de Janeiro; e Rascunho, de Curitiba, em acordo com ambos os veículos).

Sua estreia como escritor sucedeu em 1993 com a primeira biografia escrita sobre o poeta e músico Vinicius de Moraes, intitulada Vinicius de Moraes: o poeta da paixão (Companhia das Letras; Prêmio Jabuti de Literatura), e desde então não parou mais. Ao todo já foram mais de nove títulos publicados, dentre eles: João Cabral de Melo Neto — O homem sem alma (Rocco), Inventário das sombras (Record), Fantasma (Record), Literatura na poltrona (Record) e Ribamar (Bertrand Brasil; Prêmio Jabuti de Literatura), que transitam entre os gêneros: crônica, ensaio e ficção.

Me considero um escritor meio torto, escritor limítrofe. O meu primeiro livro, por exemplo, que foi a biografia do Vinicius, muita gente já me disse que tem uma estrutura de um romance. Já O inventário das sombras, de contos. E as minhas crônicas reunidas em livro, que foram publicadas no Estado de São Paulo, também como contos. O Ribamar, disseram que parecia um livro de memórias. Quer dizer sou um escritor transgênero (risos). Fico ali entre os diversos gêneros.

 

Respondeu com bom humor o jornalista e escritor José Castello em entrevista exclusiva para o Posfácio.

Embora seja apontado como crítico literário, não se considera assim:

 

O que eu faço no O Globo não é uma crítica literária. Me considero um cronista literário. O crítico mistura teorias nos livros. Eu parto de leituras pessoais. E faço questão de ser um leitor comum.

 

Foi mais uma conversa do que uma entrevista propriamente dita, da tamanha entrega de nosso respectivo entrevistado. Dentre as inúmeras perguntas feitas, Castello rememorou a sua empreitada no jornalismo, influenciada por um professor de literatura do Colégio Santo Ignácio (colégio tradicional da zona sul do Rio de Janeiro), onde estudou, já que, primeiramente, o jornalista pensava em fazer Letras, pois tinha como objetivo ser escritor:

 

Ele sugeriu que eu fizesse jornalismo, pois me jogaria no mundo e eu estaria entrando em contato com diferentes realidades e pessoas; e essas experiências iriam me enriquecer como escritor.

 

Quanto ao percurso ao jornalismo literário:

 

Eu trabalhei em vários campos do jornalismo, mas sempre almejei trabalhar como jornalista literário. E na Revista Isto é, eu passei a atuar como editor assistente de cultura. Pedi para que me dessem prioridade para trabalhar com jornalismo literário. Depois fui para o Suplemento Ideias, no Jornal Brasil, e passei trabalhar a partir daí somente como jornalista desse segmento.

 

José Castello já relatou, em algumas entrevistas, ter enviado um conto, na década de 70, para o endereço da escritora Clarice Lispector, e ter sido surpreendido, agraciado e, paradoxalmente, criticado com o telefonema da mesma dizendo que “com medo ninguém faz literatura”. E eu perguntei se esse feedback da Clarice, de certa forma, havia lhe engessado, no sentido de só passar a produzir seus livros anos mais tarde. Nosso ilustre entrevistado respondeu:

 

Na verdade, me fez repensar de forma radical sobre tudo o que eu estava escrevendo. Me afastar de uma literatura intelectualizada, e trabalhar a minha escrita de uma forma mais pessoal, buscando a minha própria voz.

 

Ainda sobre a sua experiência com os grandes nomes da literatura, Castello contou um fato inusitado, já publicado em seu livro Inventário das sombras, sobre Nelson Rodrigues:

 

Eu estive com Nelson Rodrigues e fiz uma matéria especial sobre ele, na Revista Veja, onde fui repórter literário. Depois que a publicação saiu, o Nelson me telefonou para agradecer (havia gostado da matéria). Só que a partir daí não parou mais de me telefonar. Ele me ligava e perguntava: Já tomou o seu café? Comeu pão com manteiga ou geleia? Ele me ligava o tempo todo. E eu passei a ficar com medo que ele passasse a criar um personagem sobre mim (como geralmente ele fazia em suas obras, sempre inserindo seus amigos jornalistas). Até que um dia eu decretei em casa que quando o Nelson ligasse, dissesse que eu não estava. Fiz com o coração na mão, mas realmente foi preciso.

 

A experiência com o autor de clássicos como Asfalto selvagem — Engraçadinha, seus amores e seus pecados e A vida como ela é o fizera ver o quanto há de solitário neste ofício:

 

Isso só me fez ver o quanto os escritores são solitários. O escritor em si é uma pessoa solitária. De todas as artes, é a que mais se tem o contato com a solidão. A literatura exige unicamente do escritor consigo mesmo. É um ofício solitário.

 

Quando perguntado sobre a desfragmentação do Jornalismo Cultural no Brasil no veículo impresso, com a diminuição de páginas e a extinção de alguns cadernos e revistas culturais, Castello opinou:

 

Eu acredito que os suplementos se manteriam e acho importante que sejam mantidos. Nada contra a internet. Eu seria estúpido se fosse contra. O grande problema da internet é que ela tende à superficialidade, à fragmentação. Eu acho o jornal impresso um lugar de reflexão, de textos mais longos.

 

E apontou fatores negativos que prejudicam textos mais aprofundados na internet:

 

Quando você está lendo na internet, parece que tudo tende a te desviar a atenção, seja por conta de um e-mail, de um assunto ou palavra que desconhece. Aí você corre para o Wikipédia e depois tem outra coisa que você quer saber. Quer dizer, a internet é muito inconstante, ondulante.

 

A experiência com o livro impresso continua sendo sua paixão, e quanto às suas leituras, o jornalista mantém o hábito de fazer anotações em passagens do livro:

 

Não sou contra o e-book, mas o livro impresso, por exemplo, é mais propício para você anotar certas passagens. Os meus livros são todos rasurados, faço anotações. E isso só se consegue no texto impresso.

 

José Castello respondia todas as minhas perguntas em tom confessional, como numa conversa entre dois jornalistas, e eu tentava ao máximo transcrever tudo que o meu interlocutor bem articulado nas palavras me dizia, apesar da minha pouca agilidade com a mão enquanto decorria o ótimo papo pelo celular. Infelizmente, meu gravador havia descarregado, e o jeito foi maquinar a minha mão direita que corria com a ponta da caneta tentando concatenar tudo que ouvia para as folhas de papel ofício. Mas quando perguntado sobre um futuro novo romance, preferiu não falar muito:

 

Estou rascunhando um romance. Mas não gosto muito de falar quando estou produzindo. Nem eu mesmo sei o que vou fazer. A gente acha que está fazendo uma coisa e acaba produzindo outra.

 

Quanto às últimas produções literárias brasileiras e à sua crítica referente “à nova padronização da literatura no Brasil”, disse:

 

Infelizmente essa “padronização” vem ocorrendo pelo crescimento do mercado editorial brasileiro. E com isso o mercado tende a comercializar livros cada vez mais simples e digeríveis ao público. Por outro lado, a literatura brasileira contemporânea tem se mostrado riquíssima, com nomes importantes no Brasil, tanto na prosa quanto na poesia. Há um caráter heterogêneo nas produções. Cada escritor trabalha de uma forma e isso é muito enriquecedor na literatura. Na prosa, por exemplo, temos o João Gilberto Noll, Cristovão Tezza, Rubem Figueiredo, Milton Hatoum. Cada um seguindo seu caminho. Na poesia, nós temos Antônio Cícero, Alberto Martins, Eucanaã Ferraz, Nuno Ramos entre outros. Não estamos presos mais a escolas ou estilos. O pluralismo é o fator mais rico.

 

Durante a entrevista, perguntei como um escritor em construção pode conseguir vencer as barreiras entre a sua inventividade e o mercado editorial brasileiro, que, muitas vezes, influencia, quando não fecha as portas para um determinado escritor, visando que sua obra não seja comercial, e Castello informou-me:

 

O mercado editorial está aberto para a literatura de qualidade. Eu ouço os editores me perguntarem se tem alguém bom que eu conheça para ser publicado. Embora haja o interesse da padronização. Quanto ao escritor, é insistir. É uma questão de buscar o caminho e não desanimar.

 

Estávamos quase no fim da entrevista, e pedi que o nosso caro entrevistado escolhesse um livro (e seu respectivo autor) e uma trilha sonora para esta entrevista. José Castello deu uma simpática risada, seguido de um breve silêncio.

 

Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, por estarmos falando sobre minhas raízes. E a trilha, Sonetos em piano de Bethoveen, porque gosto muito de ouvir esse tipo de som quando estou escrevendo.

 

Perguntei-lhe qual foi a sua maior descoberta literária este ano, já que sei que o jornalista é um leitor ávido, e o mesmo me revelou que anda deslumbrado pela poesia que anda sendo feita no Brasil nos últimos anos:

 

Estou cada vez mais encantado com a poesia contemporânea brasileira. Estou descobrindo-a com mais entusiasmo.

 

E citou alguns nomes, entre eles: “Alberto Martins, Antônio Cícero, Eucanaã Ferraz, Nuno Ramos, Ana Maria Marques e Lucinda Persona.”

 

O céu já não ostentava mais o mesmo azul de outrora. De fato, escurecia. Naquele cinza meio violeta que embrumava fantasmagoricamente o espaço em que me encontrava em penumbra, com direito à presença de mosquitos a musicarem desafinadamente sobre os meus ouvidos, folhas rascunhadas espalhadas à minha mesa e uma sensação prazerosa de dever cumprido. Estava na hora de despedir-me do grande entrevistado daquela tarde.

Sim, o José Castello, mais uma vez, só me confirmou que o homem verdadeiramente culto, não necessariamente é aquele que tenta superiorizar o seu discurso com retóricas circenses para se mostrar, de fato, sabido das coisas, quando, em outros casos, não se fecha ao jornalista de maneira deselegante e demasiado blasé, como se o nosso trabalho estivesse de alguma maneira incomodando ou ferindo a sua integridade física ou moral (eu realmente não entendo o que se passa na cabeça de certos escritores). Mas trocando informações de uma forma simples e muito despojada. Mostrou-se atento a tudo que eu dizia e respondeu muito além do que foi descrito nesta entrevista, embora eu tenha sido o mais fiel possível a tudo que ele me passou.

Entre o meu celular oscilando o tempo todo, por problemas de rede de uma dita cuja operadora infeliz, o que resultou na ligação ter caído umas três ou quatro vezes durante a entrevista, Castello não reclamou em nenhum momento como tampouco perdeu a paciência. Com sua elegante e autêntica simplicidade, respondeu-me: “Acontece, vamos para a entrevista, ainda tem tempo.”