O clássico seria prestigiar Ana Maria Machado. O cult seria assistir a uma entrevista de Zygmunt Bauman. Mas como a cobertura posfaciana da Fliporto estava num clima “gente como a gente”, decidi que seria de bom tom comparecer à última mesa do Congresso Literário do sábado, terceiro dia do evento. Nela, Maitê Proença e Francisco Azevedo foram chamados para conversar sobre o tema “O jogo da vida e do amor: as crônicas e as narrativas do que somos e sonhamos”. O nome da atriz e escritora pareceu atrair o público: segundo a assessoria de imprensa da Festa, em informativo que ressalta o recorde de público do evento, 1 a mesa em questão foi um dos destaques no quesito ocupação de cadeiras, ao lado de Pilar del Río e Laurentino Gomes.
O início do papo foi algo estranho: o mediador, meio despreparado, 2 passou longos minutos apresentando os convidados e discursando sobre poesia e sobre um artista plástico em especial; tudo isso de pé, enquanto as cadeiras destinadas aos três restavam incólumes. Os escritores estavam visivelmente desconfortáveis – “quando que esse cara vai deixar a gente se sentar?” – quando Maitê resolveu obrigar o moço a sentar e, enfim, dar a deixa para o fim do monólogo desinteressante e o início da conversa.
Francisco Azevedo contou a história de quando pegou um autógrafo de João Cabral de Melo Neto. Este, ao invés de escrever seu nome artístico, dedicou o livro utilizando o nome completo de Azevedo (José e mais quatro nomes que não dei conta de anotar), o que não lhe agradou muito. Tempos depois, João Cabral (já morto) visitou-lhe num sonho, explicando a razão de ter procedido: “a Francisco (o escritor) dei liberdade; a José (desconhecido, homem comum) eu dei evidência”. Poesia pura, mais legal que os saraus constrangedores que vemos por aí. Maitê invejou-o e não negou.
Azevedo também dedicou parte de seus (poucos) momentos de fala para tratar de seu romance recém-lançado, Doce Gabito. Pareceu-me interessante a proposta do livro, com um quê de fantástico, a explorar personagens como Gabriela García Marquez e Gabriel García Márquez.
Mas o fato é que Maitê dominou a cena, falando longamente sem se preocupar com precisão terminológica, se expressando com as primeiras palavras que lhe vinham à cabeça. Tamanha espontaneidade e graça foram irresistíveis ao público, que ria e aplaudia constantemente. Algumas citações (que fui jogando no Twitter do Posfácio e no meu):
Eu ponho a bolsa no chão mesmo, que é daí que o dinheiro vem. Não acredito naquela superstição. Quem tá colocando sobre a mesa, tá ficando pobrinho. (apontando para a bolsa do seu lado na cadeira)
Comecei a escrever num tempo em que estava bem decepcionada como atriz. (…) Quando voltei a atuar, estava bem melhor. (sobre como a literatura teve uma ação mágica sobre ela)
A gente se gasta seduzindo os outros. É melhor ser o que se é! (sobre as velhas de sua peça nova)
Chuva, o aplauso do céu. Saravá! (quando começou a chover)
Como é que se fala “puta que o pariu”? (para o tradutor de libras, ao lado dela)
Uma atriz que ainda não tá feinha (tô chegando!), escrevendo; as pessoas ficam desconfiadas. (sobre a recepção inicial de seu trabalho como escritora e dramaturga)
Eu queria ser assistente social na África. (sobre o que gostaria de fazer mesmo)
O fascínio 3 foi tanto que tive de comprar o livro que ela propagandeava. Ele é bem chamativo (e bonito, por que não?) aos olhos e prometia ser interessante. Pena que seja uma imensa bobagem; se não fosse, até resenharia por aqui. Li no voo de volta a Curitiba 4 e nem os bons nomes de alguns dos escritores da coletânea – Tatiana Salem Levy, 5 Mário Prata 6 – salvam o volume. Pelo menos, promete vender bastante: cada um dos participantes do livro deve ter montes de amigos para comprá-lo. Uma boa estratégia de marketing.
O veredicto final só dou quando ler algum livro inteiramente escrito por ela. Como editora (ou organizadora, talvez), não rolou. Haja carisma para me fazer cogitar encarar outro desses.
- A Fliporto conta com uma programação paralela ao Congresso Literário com tantas opções que eu não daria conta de conferir sozinho ↩
- Ou preparado demais, o que dá na mesma, pois que o centro das atenções geralmente não é ele. ↩
- Pensei cá com os meus botões e acho que é essa a palavra certa mesmo ↩
- Razão pela qual não consegui escrever anteriormente este post. ↩
- A autora que saiu na Granta n.9 escreveu um chat com o Agualusa que é pura vergonha alheia ↩
- Este apenas copiou um artigo da Wikipédia. ↩
Olá, Tuca!
Gostei do seu relato. Uma coisa eu não posso deixar de te dizer: compre outros livros da Maitê Proença, garanto que irá gostar do jeito que ela escreve. Ela lançou o “entre ossos e a escrita” que é um “compilado” de algumas crônicas que ela escreveu à revista Época. Tem também o “Uma Vida Inventada” que está entre uma biografia e uma história de ficção, também é interessante. Maitê é uma mulher inteligente e de pensamentos profundos, garanto que irá se surpreender, dê outra chance a ela.
Beijos.
Acho que vou procurar esse “Uma vida inventada”, que me falaram muito bem (a mãe de uma amiga de um conhecido foi bem enfática a respeito disso; disse que a história de vida dela era bem sofrida e bem interessante). O outro também pareceu-me bem interessante. É por isso que falei que não a conheço propriamente como escritora. Tomara que ela me conquiste com outro livro, adoro ser conquistado.
Beijos e brigado pelas dicas.
O livro é lindo !! Desculpa mas discordo de você, simpatia e ser famoso não vende livros pois quantos artistas mais simpáticos lançaram -se na literatura e todos fracassaram, Maitê vende seus livros todos os lançados como água é atriz que mais vendeu em toda história portanto existe algo mais além do que simpatia .Abraços!
Esteticamente, sim, é bonito.
Me pergunto se você leu o texto, Flávia: em nenhum momento falei que simpatia e fama vendia livros (ainda que, acho, venda sim, senão não inventavam de publicar um livro com os roteiros ilustrados do Porta dos fundos, um dos livros mais inúteis de que tenho notícia). E não me venha com o parâmetro “vender como água” de qualidade. A julgar pelo seu comentário, eu poderia dar OUTRA explicação para o sucesso: falta de leitura ou leitura desatenta.
Releia os dois últimos parágrafos do texto e leia os dois comentários anteriores se quiser entender a OUTRA explicação.
Abraços!
p.s.: se, no entanto, esta for uma crítica velada ao que achei dos textos da infinidade de autores (não achei nenhuma Flávia entre eles), deixo o link de uma crítica mais completa, apesar de sucinta. https://www.goodreads.com/review/show/771441372