Domingo, 2 de março de 2014. No Brasil, domingo de carnaval, de desfile na Sapucaí e Bloco da Preta. Em Los Angeles e no mundo cinéfilo, dia da entrega dos 86° Academy Awards, no Dolby Theatre. E os Oscars foram para:

Filme: 12 Anos de Escravidão
Direção:
 Alfonso Cuarón (Gravidade)
Ator: Matthew McConaughey (Clube de Compras Dallas)
Atriz: Cate Blanchett (Blue Jasmine) 
Ator coadjuvante: 
Jared Leto (Clube de Compras Dallas)
Atriz coadjuvante:
 Lupita Nyong’o (12 Anos de Escravidão)
Roteiro original:
  Spike Jonze (Ela) 
Roteiro adaptado:
 John Ridley (12 Anos de Escravidão) 
Animação:
 Frozen – Uma Aventura Congelante
Filme estrangeiro:
 A Grande Beleza (Itália)
Trilha sonora:
 Gravidade
Canção original:
“Let it go” (Frozen – Uma Aventura Congelante)
Fotografia: Gravidade
Figurino: 
O Grande Gatsby 
Documentário: 
A Um Passo do Estrelato
Curta de documentário: The Lady in Number 6
Edição: 
Gravidade
Maquiagem e Cabelo:
 Clube de Compras Dallas
Design de Produção:
 O Grande Gatsby 
Curta de animação: 
Mr. Hublot (França) 
Curta-metragem: 
Helium 
Edição de som: 
Gravidade 
Mixagem de som: 
Gravidade 
Efeitos visuais: 
Gravidade

Num dia chuvoso em Los Angeles, os brasileiros novamente ficaram de fora. O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, não conseguiu um lugar entre os estrangeiros e a brasileira mais bem posicionada na premiação foi Camila Alves, mulher de Matthew McConaughey, o merecido Melhor Ator do ano por seu estupendo papel em Clube de Compras Dallas.

Ellen DeGeneres voltou à função de apresentadora depois de sete anos, mas seus esforços e empatia com a plateia (diferente de Seth McFarlane no ano passado, persona non grata de praticamente todo mundo) não evitaram a estafa de uma cerimônia de três horas e com excessivas incursões comerciais. Ainda assim, ela criou momentos históricos, como a tão comentada selfie1 com os famosos que foi retwettada mais de 3 milhões (!!!) de vezes, “quebrando” o Twitter por alguns minutos. Outro momento de pura descontração foi quando Ellen pediu pizza para os convidados famintos. Nomes como Martin Scorsese, Meryl Streep, Jared Leto e até o Han-Solo-Harrison-Ford devoraram seus pedaços.

Bateu fominha ao longo das 3 horas de cerimônia? Vamos pedir uma pizza!
Bateu fominha ao longo das 3 horas de cerimônia? Vamos pedir uma pizza!

À parte disso, Ellen teve um monólogo inicial bem menos inventivo do que dos outros anos, o que fez a cerimônia começar fria e demorar a engatar (os prêmios só começaram a sair em sucessão lá pelos 46 minutos de programa). O cenário desse ano também deixou a desejar, com poucas variações e enfeitado por estatuetas de diversos tamanhos que pareciam balões infláveis. Outra quebra de ritmo foi a homenagem aos heróis do Cinema, com montagens desconjuntadas, as incursões ao longo do show foram longas, enfadonhas e terminaram sem um propósito maior. Já a homenagem a O Mágico de Oz (1939) contou com a apresentação de uma deslocada Pink e a presença de Liza Minelli, filha da atriz Judy Garland (1922-1969). Por algum motivo, o Oscar também quis ressuscitar nomes da Era de Ouro, como a botocada Kim Novak, de Um Corpo que Cai (1958) e Sidney Poitier, de No Calor da Noite (1967), primeiro negro a ganhar o Oscar de Melhor Ator.

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Ellen repete o bom trabalho de 2007 com incursões tecnológicas, sem piadas ofensivas e conquistando a empatia do público.

Bem, o que nos resta falar? Ah, sim, dos prêmios:

Sob muitos aspectos o Oscar 2014 sagrou-se como o mais justo dos últimos anos – se é que justiça se aplica ao mundo do lobby das premiações. À parte das ausências imperdoáveis, das quais trataremos mais adiante, se no ano passado tivemos a excrescência da vitória de Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida) sobre Emmanuela Riva (Amour) e Jessica Chastain (A Hora mais Escura) em Melhor Atriz, esse ano desceu mais redondo com Cate Blanchett ganhando por sua fabulosa Jasmine. Em seu discurso, a atriz alfinetou a relutância da indústria em escalar protagonistas mulheres, justificando baixa bilheteria.

Lupita Nyong’o (foto abaixo) também levou o merecido troféu de Atriz Coadjuvante, numa categoria em que a única à altura era June Squibb, hilária em Nebraska, que aos 84 anos, se vencesse, seria a mais velha a levar o Oscar. Lupita, em seu discurso: “Sei que a alegria atual de minha vida se dá pelo sofrimento que muitos tiveram” – dedicando o prêmio à verdadeira escrava Patsey, do livro de Solomon Northup. Vale lembrarmos da ausência de Scarlett Johansson, que merecia a indicação por seu trabalho vocal em Ela, a alma do filme. A Academia erra ao pensar que atuar só é possível com o uso do corpo, exemplo disso, para ficar apenas em um trabalho lendário, é James Earl Jones dando voz a Darth Vader, em Star Wars.

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A linda Lupita com seu carequinha dourado

Jared Leto foi de Jesus Cristo à cerimônia e conseguiu o milagre de ver a Academia premiando um cantor em categoria de atuação. O único à sua altura era Jonah Hill, por O Lobo de Wall Street. Além do prêmio, Jared virou meme na internet por seu visual e em seu discurso lembrou as 36 milhões de vítimas da AIDS.

Jared-Jesus
Jared-Jesus

Esse também foi o Oscar com as melhores produções em muitos anos. Mesmo com a audiência em baixa e o faturamento reduzido a índices alarmantes, excetuando o apenas mediano Philomena, de Stephen Frears, considero os outros oito longas indicados a Melhor Filme produções de altíssimo valor.

Trapaça, aquele exagero de David O. Russell, que despontava, como disse o crítico Rodrigo Fonseca no evento dos Melhores Filmes de 2013 do CCBB- Rio, como o “quindim de iaiá” da crítica nesse ano, merecidamente saiu sem nenhum prêmio, apesar das pomposas 10 indicações. O mesmo aconteceu com O Lobo de Wall Streep, zero de cinco, e nesse caso as derrotas pareces mais injustiças. Numa conta rápida, Gravidade aparece como o grande vencedor, com 7 estatuetas, sobretudo prêmios técnicos pelas inovações – mas se também levasse o prêmio principal não seria imerecido. Já em termos qualitativos, 12 Anos de Escravidão sagrou-se o grande campeão, com o Oscar de Melhor Filme. Se há dúvidas de que 12 Anos… tenha sido o melhor filme do ano, não há, porém, de que trata-se do mais importante, um dos poucos em Hollywood a discutir a escravidão americana, somado ao ineditismo de ter um diretor negro (embora inglês e não descendente de escravos). Em seu discurso, Steve McQueen dedicou “aos 21 milhões que ainda vivem na escravidão hoje em dia”.

Alfonso Cuarón: seu bom trabalho e anos de desenvolvimento de inovações técnicas foram premiados com prêmios importantes
Alfonso Cuarón: suas inovações técnicas renderam prêmios importantes, incluindo a de Melhor Diretor

Para seu próprio mal, a Academia deixou fora das indicações nomes importantes que fizeram sentir suas ausências: Tom Hanks foi esquecido por seu Capitão Phillips, assim como Robert Redford, que surpreendeu em Até o Fim. George Clooney fugiu, com seu Caçadores de Obras-Primas, das premiações desse ano (talvez por medo da concorrência?) e não foi nem prestigiar as indicações de Gravidade, assim como os irmãos Coen com Inside Llewys Davis – nomes que sempre estiveram na lista dos queridinhos da premiação. Paul Greengrass, diretor de Capitão Phillips, e Michael B. Jordan, ator de Frutivale Station, são as injustiças desse ano, completamente obliterados. Essas ausências justificam-se parcialmente pela quantidade de novos membros da Academia, que esse ano até trocou de presidente, agora com Cheryl Boone, a primeira afro-estadunidense no cargo.

Já entre os estrangeiros, não foi surpresa a vitória de A Grande Beleza, o 11° prêmio da Itália, que com 28 indicações havia ganhado seu último Oscar por A Vida é Bela, de Roberto Benigni, que bateu Central do Brasil, de Walter Salles, em 1998. Mesmo tendo a Itália como favorita desde que levou o Globo de Ouro, em janeiro, ainda mantinha certas esperanças por A Caça, aquela porrada no estômago de Thomas Vinterberg. Em seu discurso, Paolo Sorrentino (que dirigiu uma das sequencias de Rio, Eu Te Amo, ainda a ser lançado) agradeceu suas inspirações: “Fellini, Scorsese e Diego Armando Maradona” (???). Essa categoria, aliás, foi a de mais alto nível da noite, tendo em Alabama Monroe, da Bélgica e Omar, da Palestina, concorrentes duros e que merecem registro – mas que deixou de fora o polêmico e ótimo Azul é a Cor Mais Quente, da França.

Paolo Sorrentino recebe o 11° Oscar da Itália. Um dia seremos nós...
Paolo Sorrentino recebe o 11° Oscar da Itália. Um dia seremos nós…

Surpresa talvez tenha sido a derrota de O Ato de Matar em Documentário, filme com produção executiva de Werner Herzog com uma proposta bem violenta, mas que viu seu prêmio parar nas mãos de A Um Passo do Estrelato, sobre o trabalho das backup singers (ou cantoras de apoio).

As apresentações das quatro canções originais foram mornas, sem o requinte cênico de outros anos. Pharell cantou sua animada “Happy”, de Meu Malvado Favorito 2; o U2 prestou homenagem a Nelson Mandela, com “Ordinary Love”, de Mandela – Long Walk to Freedom; e Karen O cantou sua delicada “The Moon Song”, de Ela. Mas o prêmio foi para a arrebatadora “Let it Go”, de Frozen – Uma Aventura Congelante, do casal Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez (este último, uns dos poucos a completarem o circuito de ouro dos prêmios, tendo vencido o Grammy, o Emmy, o Tony e o Oscar).

Nos quesitos técnicos, Catherine Martin subiu ao palco nas duas vezes em que O Grande Gatsby foi premiado. Mulher do diretor Baz Luhrmann, ela levou os prêmios de Design de Produção e Figurino, competindo nessa última com o sóbrio trabalho de 12 Anos de Escravidão é a Academia preferindo, mais uma vez, algo mais espalhafatoso. Mas a sobriedade atingiu os jurados quando Melhor Maquiagem foi para Clube de Compras Dallas, ao invés dos carregados O Cavaleiro Solitário e Jackass: Vovô Sem Vergonha, talvez por medo do que a turma de John Knoxville pudesse fazer com a estatueta. Para finalizar, Thomas Newman perdeu pela 12° vez (!) o prêmio de Trilha Sonora original, dessa vez para Steven Price, de Gravidade, tornando um dos candidatos com o pior aproveitamento (Meryl perdeu 15 vezes, mas ganhou três; Walt Disney perdeu levou 22 vezes, mais três honorários, dentre 60 indicações).

A sessão In Memorian foi uma das mais longas e sofridas da história do prêmio, apresentada por Glenn Close, que arrematou: “Perdemos muitos esse ano, mas por causa de seus grandes filmes, eles viverão para sempre”. Começando com James Gandolfini, o eterno Tony Soprano e terminando com Phillip Seymour Hoffman, obliterou-se, contudo, Alan Resnais, cineasta francês que morreu no dia da premiação, mas surpreendeu os brasileiros ao lembrar de Eduardo Coutinho.

In Memorian: a Academia lembrou de um dos maiores documentaristas da história
In Memorian: a Academia surpreendeu ao lembrar do nosso maior documentarista

Em três horas e meia de apresentação o 86° Academy Awards entregou 24 prêmios, colocando novos nomes na história do Cinema. Se para nós, brasileiros, ainda não foi a vez de trazer o carequinha dourado para casa, podemos nos contentar com a companhia de Leonardo DiCaprio, que mobilizou até uma corrente de orações online mas, pela quinta vez, saiu do Dolby sem prêmio. Vem, Leo, vem chorar aqui com a gente.

Poor Leo
Poor Leo, oramos por você
  1. Post dedicado aos amigos do JT, que assistiram à cerimônia comigo e fizeram uma versão própria da selfie, veja aqui