[Todavia, a] A única coisa que deveria ser dita sobre Pornopopéia é: por favor, leia Pornopopéia. Não, espere, a única coisa que deveria ser dita sobre Pornopopéia é: “Faça um favor, leia Pornopopéia.

Isso seria (ou deveria ser) a última linha a ser escrita, em todo e qualquer site ou blog, em uma resenha sobre o livro de Reinaldo Moraes, lançado em 2009, e que tem uma legião de fãs bem intencionados dizendo “por favor, leia”. Se você ainda não sabe, falo de Pornopopéia mesmo.

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Pornografia é o estupro do pudor e das boas maneiras, uma celebração da indecência, libertinagem e imoralidade. Uma epopeia é uma sucessão de eventos extraordinários capaz de despertar a admiração e provocar surpresas. Uma odisseia, por sua vez, é uma travessia ou investigação de caráter intelectual ou espiritual. Pornopopéia é, portanto, a surpresa gerada por uma sucessão de eventos extraordinários que deturpam os bons modos, nos quais Reinaldo Moraes explora o sexo, as drogas, de maneira espiritual e intelectual.

Podemos começar do começo. A sinopse declara que é um livro sobre extremos para a era dos extremos  ou mais para a boemia do século XXI, em que a farra não tem fim e não é regada apenas de bebida e namoricos, mas de cocaína e prostitutas, incluindo nessa lista travestis e traficantes. O nome é um aviso, ou agouro, sobre o conteúdo dessa obra de incríveis 480 páginas sobre um cineasta marginal e a falta de inspiração para escrever sobre embutidos de frango e, assim, salvar sua produtora da falência total. Ou acreditaremos nisso nas primeiras dez páginas.

Zeca, o cineasta, está com o laptop à sua frente para narrar os acontecimentos de sua noite de bloqueio criativo. Ele fala como conseguiu o contrato para escrever um roteiro institucional, conta um pouco do auge da sua carreira como diretor marginal e deixa escapar, aqui e ali, de maneira entrecortada, que não é um bloqueio que o impede de terminar aquele trabalho, mas ele mesmo e, em consequência, as suas desventuras atrás de sexo e cocaína.

O protagonista, esse anti-anti-contra-herói, é de classe média, sempre foi, e isso o levou mais cedo aos caminhos tortuosos e às escolhas inconsequentes da libertinagem regada a drogas. Ele está sempre à deriva das suas escolhas, umas dão certo acidentalmente  como uma mão do destino para colocá-lo nos eixos  e outras o levam para situações absurdas e extremas.

A vida de Zeca gira em torno disso, sabemos “o que” encontraremos, mas não “como”. Algumas das perguntas nem serão respondidas, outras serão distorcidas. No meio de todo esse tornado de escolhas, esbarramo-nos com personagens peculiares e ordinários. O amigo e fiel companheiro de padê, Nissim; Miro, o traficante metido a besta; Lia, a esposa de Zeca; bebuns, advogados, viciados, ninfetas e prostitutas recheiam as páginas de Pornopopéia.

Dessa trajetória cocaíno-sexual um clima de “o que mais pode acontecer além disso?” se instala e é impossível largar Zeca depois dessa pergunta pipocar.

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A boemia é a inspiração  e seu fim em si. Não faltam palavras, vocábulos e neologismos para descrever cenas de sexo. A verborragia chula e a oralidade ganham força ao se encontrarem com um eruditismo pornográfico. São surpreendentes os adjetivos escolhidos por Reinaldo Moraes para ilustrar uma suruba em um ritual espiritual, elas partem de descrições pobres a grandiosas demonstrações de sapiência, o que transforma tudo em uma grande cena cômica e erótica. Sem contar seus haicais obscenos que beiram o hilário. É impossível não se contorcer de tanto rir com a genialidade das palavras bem empregadas e dos momentos certeiros em que são recitados esses haicais.

No decorrer da leitura fica claro que o personagem não está no fundo do poço como entendemos no princípio. Zeca é e está sem limites, e no ápice de conseguir se redimir  ou evoluir  ele volta a ser o mesmo beberrão, viciado em cocaína e em buceta. Até onde essas escolhas irão levá-lo?

Por favor, leia Pornopopéia.