O premiado diretor gaúcho Jorge Furtado, especializado em curtas-metragens (Ilha das Flores, Esta não é sua Vida), está atualmente em cartaz com um novo projeto que discute o jornalismo brasileiro nos dias atuais. Para tanto, se vale da peça The Staples of News (1625), de Ben Johnson (1572-1637), o segundo dramaturgo mais bem sucedido da Inglaterra elisabetana (o primeiro foi Shakespeare), que expõe o período do surgimento da profissão jornalística e a mercantilização da notícia, ainda antes da revolução de Gutenberg.

Paralelamente à montagem da peça de Johnson, traduzida pelo próprio Furtado e pela professora Liziane Kugland pela primeira vez para o português e realizada por atores locais convidados, o filme entrevista treze jornalistas brasileiros das mais diversas mídias. Furtado, presente em cena na condução do filme, deixa claro logo de início que a escolha dos jornalistas foi pessoal e corresponde a nomes que ele respeita no plantel brasileiro. Percebe-se, assim, que mesmo em tempos tão polêmicos para a profissão, onde alguns são acusados de má prática, corroborando com o status quo e sendo descaradamente tendenciosos, não veremos aqui um filme-crítica. O que o filme faz é vestir-se de “advogado do diabo” desses profissionais que, de fato, não chegam a serem os grandes vilões da nação, mas certamente se veem num momento de crise, tanto de conteúdo quanto de espaço, disputando a audiência com blogueiros e amadores, e passam por uma revolução que eles próprios reconhecem.

Aí reside o ranço e a fragilidade do filme: faltam críticas mais enfáticas e sobra espaço para que esses profissionais, que têm o espaço público como seu campo diário de trabalho, se defendam e se justifiquem, jornalistas como Renata Lo Predi, diretora de política do canal GloboNews, e Fernando Rodrigues, do jornal Folha de São Paulo e do site UOL, que não precisam de um filme para defender suas práticas, pois fazem isso todos os dias no espaço que lhes cabem.

Entrecortando a encenação da peça de Johnson às entrevistas de Furtado, percebe-se que as críticas do dramaturgo inglês são muito mais mordazes e perenes, mostrando uma saborosa ironia ao nomear os personagens como Censura, Expectativa e, a heroína disputada por todos, Pecúnia. Enquanto isso, Furtado apenas passeia pela discussão das afiliações políticas, relação com fontes, confirmação dos fatos, moldando, assim, por meio das entrevistas, um tipo ideal de profissional do jornalista, a léguas de distância da média que pratica a profissão diariamente nos diversos veículos de comunicação do país.

O ponto mais enfático a que o diretor gaúcho chega é quando expõe a seus entrevistados alguns erros grotescos (e às vezes criminosos) cometidos por seus pares, como na acusação leviana de pedofilia contra funcionários da Escola Base, São Paulo, em 1994, que depois provou-se infundada, mas que destruiu a reputação dos envolvidos; ou o caso hilário, capa da Folha de São Paulo em 2004, de um “autêntico Picasso”, o quadro Woman in White (1923), encontrado no prédio do INSS de Brasília, supostamente dado por um devedor como forma de pagamento, mas que na verdade não passava de um pôster de cinco dólares vendido na loja do museu Metropolitan, Nova York (EUA), onde a obra originalmente estava exposta. O diretor nunca chega, porém, a inquirir seus jornalistas em polêmicas pessoais.

Divulgando seu filme, Furtado disse não ter achado, em suas pesquisas, episódios de erro ou leviandade da mídia contra a administração de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Contudo, o tema da “injustiça” jornalística durante a administração Lula (2003-2011) é longamente debatido, chegando a concluir que a “elite”, que entre outras coisas comanda os veículos de comunicação, não queria um presidente nordestino e ex-operário e por isso o antagonizou tão incisivamente.

Ainda assim, a inciativa de Jorge Furtado em O Mercado de Notícias é louvável e urgente em nossos tempos. Seu filme tem qualidade, conseguindo apresentar de forma leve e interessante um texto teatral de quase quatrocentos anos. A mistura da ficção com as entrevistas faz com que os paralelos da peça de Johnson com o mercado atual de informações salte à tela, e os casos esdrúxulos que o filme nos faz relembrar levam ao riso nervoso, que é mais de preocupação que de graça.

O documentário foi vencedor do prêmio máximo da categoria no último CinePE, de Pernambuco, e tem sido ampla e positivamente repercutido na imprensa – mas isso é óbvio, já que as porradas que dirige à profissão são com a mais macia luva de pelica.