por Lidyanne Aquino
Assim como Apenas Uma Vez (2006), Mesmo Se Nada Der Certo (2013) é um filme sobre música. O diretor irlandês John Carney é caro ao tema, possíveis resquícios dos tempos em que tocava na banda The Frames, antes de se dedicar ao cinema. Também não recusa o apego aos clichês: ele retoma o velho caso da música como alternativa ideal para salvar a vida das pessoas. Mas o faz de uma forma tão autêntica que as obviedades do tema não te fazem revirar os olhos em desprezo.
Dan (Mark Ruffalo) é um produtor musical frustrado. Ele acaba de ser demitido da produtora que ajudou a fundar quando se surpreende com Greta (Keira Knightley). E não, não é do modo romântico. Convidada por um amigo, a moça, embora insegura, toca uma música que compôs há pouco tempo. Sozinha, só voz e violão, em um boteco de quinta em Nova York. Dan se sente tão envolvido que consegue imaginar até mesmo a entrada de outros instrumentos ao longo da canção. Nesse momento, ele inicia uma saga de insistência desesperada para produzir Greta e lançá-la aos holofotes.
Conforme a amizade se desenrola, as vidas frustradas de ambos são postas em evidência. Em sua “missão” como produtor, Dan passa a ser um encostado. Bebe demais e negligencia a própria família – tanto que, após uma traição, e desanimada com o comportamento do cônjuge, a esposa parte para outra casa com a filha, Violet (Hailee Steinfeld, de Bravura Indômita). Para complicar, a garota vive o momento mais crítico da adolescência.
Greta, por sua vez, vivia o relacionamento dos sonhos com Dave Kohl (Adam Levine). A naturalidade do encontro era tamanha que Greta não se importava com o fato do namorado ficar famoso enquanto ela ficava como mera colaboradora ao escrever canções com ele (e para ele). Até o dia em que a música de Dave entra para a trilha sonora de um filme e conquista o público; ele não aguenta o tranco e o relacionamento acaba ruindo. Tudo isso durante a estada do casal em Nova York. Ele vai embora para cuidar da carreira, Greta fica, desolada, socorrida por um amigo que mora na cidade.
E acidentalmente por Dan, que consegue convencê-la a dedicar-se à música. Ele faz bom uso dos contatos que possui – com uma divertida participação de Cee Lo Green – e, sem ter mais a gravadora, lança um projeto ousado: gravar pela cidade, cada faixa em um lugar diferente. Um disco que também homenageie Nova York. A aproximação para fins profissionais rende um momento bastante positivo para ambos. Dan se reaproxima aos poucos da filha; Greta ganha autoconfiança para não dar o braço a torcer quando o ex dá as caras.
Apesar da ideia absurda, Carney consegue transpor isso com naturalidade, amparado pelo elenco. Nem mesmo Levine compromete o trabalho. Todos abrem mão dos estigmas de seus personagens usuais – Ruffalo aparece mais largado, Knightley mais descontraída. Os músicos que participam das gravações parecem tão entrosados que é como se o conjunto mostrado em cena fosse real, dessas bandas de longa data. A trilha sonora preza pelo gênero pop – a típica música bobinha e chiclete, mas dotada de uma sonoridade marcante que deve agradar mesmo os ouvidos mais exigentes (as criações são de Gregg Alexander, do New Radicals). Destaque para o momento em que uma das músicas é gravada no topo de um prédio, com participação de Violet. Embora seja previsível, a construção da cena é envolvente a ponto de sentir vontade de fazer parte daquilo.
Sobra até espaço para criticar a indústria fonográfica. Em especial na própria figura de Dave, que não se importa em transformar seu trabalho em algo comercial e de fácil apreciação do público, ignorando todo o sentimento colocado na confecção da música; ou em passagens breves, como quando Dan “avalia” composições recentes no caminho para o trabalho ou quando diz a Greta, ainda no início do longa, que ela faria sucesso imediato se mudasse o figurino – algo deixado à revelia devido à aura independente de projeto proposto para a gravação do disco.
Para uma comédia romântica, vale arriscar mesmo sendo avesso ao gênero. É gostoso para passar o tempo, mostra pessoas em tramas comuns, dessas que já enfrentamos algum dia. E mesmo cercando o espectador com o óbvio, consegue quebrar a previsibilidade no fim.
Mesmo se nada der certo é um filme sobre superação. De certa forma, Carney tenta doutrinar nosso olhar para encarar os perrengues com naturalidade, encontrando uma forma de aliviar a dor até que o desconforto psicológico torne-se indolor. Tudo isso tendo a música como válvula de escape – ou melhor, como solução comprovada.