Dia 5: Diálogosdiálogosdiálogosdiálogosdiálogosdiálogos
Tinha que acontecer, mais cedo ou mais tarde. Noites Brancas no Píer (Paul Vecchiali, 2014) parece uma paródia de filmes de festival: planos estáticos, atuações mecânicas, mise en scène minimalista, diálogos intermináveis declamados por atores que frequentemente olham em direções aleatórias etc. Trata-se de uma adaptação do conto Noites Brancas de Dostoiévski, que narra a história de um rapaz denominado apenas como o “Sonhador”. Durante quatro noites, o Sonhador tem encontros com uma garota que espera pelo homem por quem é apaixonada, e acaba se apaixonando por ela no processo.
O conto já foi adaptado várias vezes para o teatro e para o cinema; na versão de Vecchiali, o Sonhador se chama Fiódor, explicando que foi assim batizado pois sua mãe era fã de Dostoiévski. Ou seja, provavelmente há algum significado a ser decodificado aí, mas, honestamente, eu não sei “sobre” o que esse filme é, e nem quero saber. A abordagem abstrata torna impossível se importar com os personagens, o que pode ter sido proposital, mas cria um distanciamento que torna difícil manter o interesse. Uma extrema falta de variedade nos cenários e uma fotografia digital que orbita algum lugar entre o aceitável e o horroroso não ajudam as coisas.
Sem uma conexão emocional ou estímulos visuais, o texto se torna basicamente nulo. Eu fiz um esforço tremendo para acompanhar o que estava sendo dito, mas essa tarefa se revelou tão difícil que meus olhos começavam a passear pela tela, procurando alguma coisa, qualquer coisa, para observar. O jeito banal com que os planos são enquadradas, contudo, tornava até isso uma atividade frustrante, de forma que em determinado momento cheguei a contar os círculos de luz desfocada na cidade ao fundo (47).
Isso tudo me colocou em um estado de letargia tão profundo que um interlúdio inesperado quase me fez pular da cadeira: o casal começa a dançar uma valsa e, de repente, a moça empurra o rapaz e começa a dançar sozinha ao som de uma trilha sonora intensa. A nota a seguir se deve exclusivamente a esse momento. Quando pessoas reclamam de filmes “de arte”, elas estão visualizando esse tipo de coisa.
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O filme que vi em seguida tem mais que o dobro da duração e não foi nem de longe tão insuportável, apesar de não ter sido exatamente o ápice do entretenimento. Com 196 minutos de duração e um roteiro de 285 páginas, Winter Sleep (Nuri Bilge Ceylan, 2014) é não apenas o filme mais longo a ter ganhado a Palma de Ouro, é também provavelmente o que contém mais falas. Considerando o volume do material, tenho surpreendentemente pouco para dizer sobre ele. Trata-se de uma obra ambiciosa e tecnicamente impecável, porém um pouco frustrante.
Vagamente baseado em histórias de Anton Chekhov, Winter Sleep conta a história de Aydin, um ator aposentado que administra um hotelzinho na Capadócia, onde mora com sua esposa Nihal e sua irmã Necla. A locação, com construções cravadas nas formações rochosas do local, está possivelmente entre as mais visualmente interessantes já vistas em um filme, pelo menos em termos de locais onde alguma civilização existe. Ceylan utiliza seu potencial máximo em externas; algumas das imagens mais belas do ano estão nesse filme, incluindo duas cenas noturnas envolvendo um cavalo em uma caverna filmadas com o mínimo de luz possível, esticando os limites do celuloide ao ponto em que o mínimo possível seja visível na tela.
O título do filme aparece em um plano em que a câmera se aproxima da cabeça do protagonista até que esta cobre a tela inteira. Ou seja, estamos prestes a entrar na mente desse homem. Aydin escreve uma coluna para um jornaleco local, no qual pontifica sobre assuntos variados, além de planejar um livro sobre o teatro turco. Logo fica claro que ele tem uma ideia elevada de si mesmo: quando sua irmã o questiona sobre tentar escrever para uma publicação maior, ele explica que prefere ser um homem importante em um contexto menor do que correr o risco de tentar algo mais ambicioso e tornar-se irrelevante, chegando a se definir como o “rei” da cidade.
Interações envolvem um processo onde personagens fazem rodeios com amenidades até finalmente dizerem o que querem dizer. Quando isso acontece, a arrogância de Aydin começa a ser revelada como sintoma de uma profunda misantropia, produzindo um Retrato do Artista Quando Cínico: Aydin é mesquinho, orgulhoso e egoísta, o tipo do homem que sente a necessidade de ter a última palavra a qualquer custo. Essa dinâmica é explorada em longos diálogos com Necla e Nihal, em que as mulheres confrontam Aydin sobre sua personalidade e ele utiliza sua articulação para manipular a situação a seu favor.
Quando escrevi sobre Leviatã, falei sobre momentos em que o subtexto vira texto; no caso, tratava-se de trechos isolados nos quais o filme deixava seus temas transparentes. Winter Sleep, por outro lado, faz questão de não deixar absolutamente nada abaixo da superfície. O talento envolvido em todos os aspectos torna as discussões interessantes mesmo quando elas poderiam ser menos explícitas, mas a abordagem controlada acaba reduzindo o impacto emocional dos poucos momentos em que as subtramas chegam a pontos de virada. O resultado é impressionante, porém um tanto frio.
***1/2 – Jung