O fim de semana, a época de ver mil filmes em um dia e receber aquela tradicional cara de dó da atendente do café que eu sei que quer me perguntar “moça, mas você nunca vai pra casa?”

O Medo – É muito comum encontrar na Mostra filmes que têm uma boa premissa, mas ao decidir escapar das formas tradicionais, subverter a lógica do roteiro ou o que quer que seja, acabam esvaziados. O Medo é um desses.

O filme catalão fala de uma família, mãe e dois filhos, que vive no constante terror do pai. A dificuldade de se separar, a dependência e o abuso psicológico são temas importantes, mas o filme se perde com um adolescente heroico, a falta completa de ação e um conflito que soa um tanto inverossímil pela falta de desenvolvimento dos personagens.

As Noites Brancas do Carteiro – Andrey Konchalovskiy trabalhou por anos com Tarkovsky; do mestre russo ele herdou os planos longos, o tempo contemplativo e o apreço pelas imensas paisagens russas. Seu filme existe na linha entre documentário e ficção e fala de um carteiro em um minúsculo vilarejo no norte da Rússia.

Lyokha é um homem amável, doce e profundamente ferido. A atuação de Aleksey Tryapitsyn lhe confere uma humanidade poucas vezes vistas em uma tela, e o filme em si existe em camadas que vão aos poucos envolvendo o espectador. Minha escolha se eu precisasse apontar um favorito da Mostra.

Nabat – Há uma diferença entre tempos mortos, planos longos, filmes contemplativos e filmes sobre o nada. Nabat é um filme sobre nada. Começa com Nabat, uma senhora que vive quase isolada nas colinas do Azerbaijão e suas dificuldades para vender leite, cuidar do marido no leito de morte e lidar com o filho morto na guerra. Porém, após a morte do marido ela se isola, e mais de uma hora de filme é apenas uma mulher, sozinha, acendendo lampiões em sua casa.

A mãe que perde seu filho na guerra e a mulher que acaba sozinha em uma sociedade conservadora são temas revisitados vezes demais para se valerem por si só, e o vazio da personagem e a completa falta de ação transformam o que poderia ser belamente melancólico em vazio tedioso.

Jia Zhang Ke, um Homem de Fenyang – Walter Salles é um diretor de imenso potencial que parece às vezes se esquecer dos filmes de que é capaz. Ele transita entre longas memoráveis como Terra Estrangeira e Central do Brasil e esforços estéreis como Na Estrada, mas é inegável sua importância e, principalmente, seu comprometimento como um apaixonado pelo cinema.

Com esse olhar, ele toma Jia Zhang Ke (maior cineasta chinês e um dos maiores contemporâneos) como seu objeto. O documentário leva o diretor de volta a sua terra natal, para revisitar sua carreira e seu passado. É apenas Zhang Ke falando, mas ele é um homem interessantíssimo. Um filme sobre censura, memória, arte e cinema. Mais que tudo, uma daquelas cartas de amor ao cinema.