Roy Andersson, de acordo com uma certa tradição dos cineastas de seu país, coloca a humanidade, o que lhe é essencial, comum e profundo, como centro de seu cinema. Seu filme anterior, Vocês, os Vivos, se apresentava como “um filme sobre a humanidade, suas alegrias e tristezas, seu desejo de amar e ser amado.” Seu longa atual tem, a princípio, objetivos menos grandiosos: é sobre um par de caixeiros-viajantes e sobre, de alguma maneira, um pombo que pousou em um galho e refletiu sobre a existência.

É possível citar dezenas de autores que, de uma forma ou outra, afirmaram que a existência é insustentável se vista muito de perto. Se examinada, a vida humana é absurda, e Andersson dá um corpo muito concreto a essa sensação na própria forma de seu filme. Há uma certa linha narrativa em Um Pombo…, mas ela é frouxa, desconexa, como se interessasse pouco ao diretor entender seus meandros. Ele vai e volta em alguns flashbacks e há um episódio abertamente surrealista, com a cavalaria de Carlos XII (rei sueco do século XVII) entrando em um café de subúrbio.

Mas a sensação de absurdo é menos fruto do surrealismo explícito e mais da sensação de seres sem lastro, que vão do nada ao lugar nenhum – como todos os humanos, aliás. O que Andersson faz é colocar em uma lupa a fugacidade e a falta de sentido das existências em geral; seus caixeiros-viajantes vendem artigos de festas e dizem que “querem ajudar as pessoas a se divertirem”, mas são tão intensamente melancólicos e mórbidos que, pela intensidade do contraste, se tornam mais engraçados que seus produtos.

É clara a influência de Brecht, Becket e Ionesco, da completa falta de sentido que é, ao mesmo tempo, cômica e trágica. É cômica porque não podemos deixar de rir de situações absurdas, mas há no fundo um desespero honesto, proveniente da impossibilidade de saída e da agonia da repetição. Nesse sentido, o longa de Andersson é também bastante kafkiano, tanto em seu sofrimento quanto no humor ácido.

Porque apesar da temática e das ambições, Um Pombo… é um filme engraçado. De um riso desconfortável, mas honesto, um riso que é menos do outro mais do reconhecimento de si mesmo. O que o diretor quer é mostrar o ser humano a ele mesmo, tanto que o letreiro inicial diz: “Um Pombo Pousou em um Galho Refletindo Sobre a Existência, a terceira parte de uma trilogia sobre ser um ser humano”.

A intenção de observação, de olhar a humanidade como um cientista que analisa formiguinhas, é marcada na escolha de planos: a câmera está sempre levemente distante, em um contra-plongé, como se uma criatura enorme se abaixasse para observar as pequenas vidas ali em baixo. Os tons pasteis são mortiços, pálidos, apáticos como os dois protagonistas e a galeria de tipos que passa por eles.

O Festival de Veneza, onde o filme foi premiado com o Leão de Ouro, é anexo à Bienal de Arte de Veneza, um dos maiores eventos de arte contemporânea do mundo. Não é a toa que o prêmio favorece filmes de riqueza estética e investigação formal, com ganhadores mais experimentais que os premiados de Cannes ou Berlim, por exemplo. Um Pombo… é de uma beleza estética notável, alguns de seus planos são quase pinturas e mais uma vez as referências transbordam: de Hopper e seus tipos solitários a pintura holandesa do século XVIII.

Faz sentido apontar as referências de um filme tão filosófico. A maioria dos comentários a respeito do longa de Andersson o chamou de “metafísico”. Seu título remente ao existencialismo, sua origem aos cinemas de Dreyer, Bergman e Lars Von Trier, todos comprometidos com a investigação filosófica. Mas mais do que esses autores, Andersson pensa com imagens. Há menos diálogos, menos explicação e mais o que Tarkovsky chamou de esculpir o tempo: fazer a matéria do cinema falar em sua própria língua, nem sempre facilmente compreensível pelo espectador.

Em diversos momentos é difícil entender exatamente o que está se passando, ou por que os personagens eventuais são introduzidos, mas no fundo faz pouca diferença. A preocupação do autor não é te conduzir por uma narrativa ou uma argumentação, mas ilustrar seu ponto, investigar a existência humana, sua melancolia, sua gratuidade. É sentar em um galho e a certa distância, observar a humanidade e refletir sobre sua existência.

É uma tarefa poderosa. Usar o cinema como linguagem que pensa autonomamente é uma ambição difícil, mas particularmente recompensadora. Andersson, com a premiação, se torna talvez o maior representante do “cineasta-filósofo” contemporâneo, com um filme que é, de uma maneira muito própria, mas em sentido bastante amplo, uma obra de arte.