Os romances de Patricia Highsmith já foram adaptados diversas vezes para o cinema, as instâncias mais notáveis sendo provavelmente Pacto Sinistro e O Talentoso Ripley. As Duas Faces de Janeiro é a estreia na direção de Hossein Amini, o roteirista de Drive, e ele trata o material com clara reverência a uma tradição: o filme é positivamente old school, com um ritmo deliberado e um tratamento discreto de sexualidade e violência. Tudo é tão “clássico” que o déficit de atenção do espectador médio do século XXI, acostumado com uma sensibilidade muito mais frenética e sensacionalista, é capaz de nem registrar a obra como um thriller.

O título (nunca explicado diretamente no filme) é uma referência a Janus, divindade romana de dois rostos que deu nome ao mês. A referência é adequada em vários sentidos: trata-se de uma narrativa passada na Grécia em que pessoas atuam em vários níveis de duplicidade, assumindo identidades fabricadas a fim de esconderem o próprio passado. É também uma história sobre dois homens que podem ser definidos como duas faces da mesma moeda, um deles servindo como uma possível versão futura do outro.

Chester McFarland (Viggo Mortensen, encarnando o Fantasma do Noir Passado) é um rico homem de negócios, de férias com sua esposa consideravelmente mais nova Colette (Kirsten Dunst). Rydal (Oscar Isaac), um jovem guia turístico americano, cruza o caminho do casal e é atraído à sua órbita por motivos ambíguos. Rydal parece achar que seus bons serviços lhe dão o direito de ser meio pilantra, aproveitando-se da ingenuidade dos turistas para livrá-los de alguns dólares que estão certamente sobrando. Aquele estranho de terno pastel e uma fonte inesgotável de dinheiro parece um bom alvo, mas Collette é talvez seu verdadeiro interesse.

Logo descobrimos que Chester não é exatamente o que aparenta, quando um detetive particular bate à porta de seu quarto de hotel para cobrar uma dívida de clientes questionáveis, insatisfeitos com um recente prejuízo. Um confronto acaba resultando em consequências desastrosas, forçando o casal a deixar a Grécia às pressas, o que é complicado pelo fato de que seus passaportes se encontram retidos no hotel. Rydal, com sua desenvoltura em se mover pelo país e a possibilidade de arranjar documentos falsos, se oferece para ajudar na fuga, com motivações obviamente duvidosas.

A primeira metade é ótima, manejando tensões externas e internas com bastante competência. Enquanto os três evitam as autoridades locais, o triângulo amoroso cujas sementes já haviam sido plantadas no primeiro ato começa a brotar de forma determinada; Rydal se aproxima cada vez mais de Colette, levando Chester a níveis perigosos de ciúmes, e os três atores dão bastante credibilidade a essa dinâmica. O desenrolar da trama não é particularmente criativo, no entanto, apoiando-se em acontecimentos que, embora ocasionalmente dramáticos, não são exatamente surpreendentes.

Há também uma camada desnecessária envolvendo uma relação mal resolvida entre Rydal e seu pai recém-falecido – uma das primeiras coisas que aprendemos sobre ele é o fato de não ter comparecido ao enterro. Chester se torna uma espécie de figura paterna para o rapaz, e o roteiro força um pouco a barra na exploração desse subtexto, chegando a criar momentos que esticam os limites da plausibilidade. Infelizmente, esse ângulo acaba se tornando a preocupação principal do filme, culminando em um final que fica devendo em impacto emocional e senso de conclusão.

Amini claramente tem bastante talento, e com o material certo é bem possível que ele faça algo realmente notável, mas As Duas Faces de Janeiro ainda não chegou lá. Está longe de ser ruim, claro: mesmo quando a narrativa começa a capengar, o filme ainda tem algumas cenas memoráveis, especialmente quando se concentra na tensão entre os dois personagens principais, além de belas locações na Grécia e na Turquia. A sutileza e a atmosfera elegante, que remetem à Era de Ouro de Hollywood, são admiráveis. O que fica faltando é a complexidade e a criatividade dos melhores exemplos dessa época.

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