Algo óbvio: a parcela LGBT da população é vergonhosamente mal representada no cinema, especialmente em Hollywood. Homens gays e pessoas trans frequentemente cumprem a função de alívio cômico como meras caricaturas ridículas; lésbicas e mulheres bi aparecem em uma quantidade desconfortável de vezes como pouco mais que fantasias masculinas; homens bi são basicamente inexistentes; etc.

Algo menos óbvio: talvez por uma compreensível indignação com o problema, a grande maioria dos filmes que tenta ativamente lutar contra esses estereótipos tem como foco a orientação sexual dos personagens. Algo quase inexistente são filmes em que a multitude da sexualidade humana é representada como algo corriqueiro, apenas um detalhe em tramas que não lidam diretamente com isso.

Imagine, por exemplo, um filme de tribunal em que o protagonista advogado de defesa por acaso é homossexual, e isso não tem qualquer consequência na trama. Soa estranho? Não deveria, porque “fulano é gay”, nesse contexto, não é um plot point, é apenas uma característica de um personagem, uma característica compartilhada por milhões de pessoas.

Talvez mais do que filmes em que personagens não-cis/não-hetero existam por uma questão de ativismo, precisamos de filmes em que esses personagens simplesmente existam. O Amor é Estranho é quase isso: embora o incidente incitante seja causado por intolerância (especificamente, por parte da Igreja Católica), o filme não força a barra com sermões, e basicamente a mesma história poderia ser contada com um casal heterossexual.

George (Alfred Molina) e Ben (John Lightgow) finalmente se casam depois de um relacionamento de quarenta anos. O casamento é um problema para a Igreja onde George ensina o coral (apesar de o relacionamento em si nunca ter sido), e ele acaba perdendo o emprego. É um problema temporário, mas o mercado imobiliário de NY não vai esperar: o casal é forçado a vender seu apartamento e encontrar um local mais barato para morar.

Até que isso aconteça, contudo, eles são obrigados a se hospedar separadamente com parentes e amigos, gerando situações incômodas para todos os envolvidos. George vai morar com um casal de amigos (Cheyenne Jackson e Manny Perez), ambos policiais. Ben, por sua vez, fica hospedado com seu sobrinho Elliot (Darren Burrows), que vive com sua esposa Kate (Marisa Tomei) e seu filho Joey (Charlie Tahan).

O filme busca uma abordagem naturalista, com uma clara preocupação em evitar melodrama. Isso funciona enquanto nos concentramos em George, cujo sossego é perturbado pelo modo de vida agitado de seus anfitriões, cuja vida social envolve festas, sessões de RPG e um fluxo constante de visitas orbitando o sofá onde George agora dorme. É tudo um tanto banal (talvez intencionalmente), mas suficientemente agradável e bem observado.

No caso de Ben, é ele que acaba atrapalhando a vida da família. Essa subtrama é mais problemática, justamente porque ela tenta seguir uma estrutura mais clássica de roteiro. Marisa Tomei está hilária como uma escritora exasperada pela falta do silêncio do qual precisa para trabalhar, mas os conflitos que a levam a esse estado são um tanto artificiais, e as tensões familiares geradas pela adolescência de Joey são talvez enfatizados demais.

Os momentos mais interessantes são sutis, coisas como o casal em um bar relembrando os tempos em que eram jovens, ou George sendo informado sobre a existência de Game of Thrones por um dos amigos com os quais está hospedado. Nessas cenas o filme consegue atingir o naturalismo almejado, e o elenco consegue tornar assistíveis até os momentos mais forçados, especialmente Molina, que nunca chama atenção para sua constante indignação contida.

Perto do começo Ben diz que, ao morar com as pessoas, você as conhece talvez mais do que gostaria. O Amor é Estranho poderia ter sido mais incisivo nesse aspecto, mas esse não era o objetivo. O objetivo era fazer um filme realista, brando e sensível, talvez para mostrar que não há nada de “estranho” no amor entre dois homens. Nesse sentido, eles foram bem-sucedidos, mas algo a mais era necessário para elevar a experiência.

Seria bom, por exemplo, se o filme ocasionalmente transcendesse a observação do cotidiano através de recursos cinemáticos. Isso quase acontece em uma montagem que entrecorta planos mostrando os alunos de George enquanto este lê em voice-over uma carta que escreveu aos pais deles. Não é muito difícil conseguir uma resposta emocional com Chopin, todavia.

***