Entre os blockbusters de verão e produções premiadas estreladas por grandes nomes, Whiplash corre solitário como filme pequeno, mas tem causado burburinho entre os (infelizmente poucos) espectadores que foram ao Cinema assisti-lo e entre a crítica especializada, por isso, felizmente, não tem passado batido pelas premiações de começo de ano, tendo sido indicado a cinco Oscars, cinco BAFTAs e vencido o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante (J.K. Simons), além dos importantes prêmios do ano passado no Festival de Sundance, em que foi o Melhor Filme tanto para o júri quanto para o público.

Há quem o ache terrivelmente sádico, enquanto outros o veem como deliciosamente sádico. Há quem o critique por ser muito nostálgico, superficial e reforçar a crença de que na música só há espaço para os melhores, enquanto outros adoram sua edição ritmada nas batidas do jazz e a dedicação quase suicida de seu protagonista.

Tire suas próprias conclusões, leitor, pois só o que eu posso dizer é que não dá para passar incólume a esse filme dirigido e roteirizado por Damien Chazelle e estrelado por Miles Teller e por um fenomenal J. K. Simons (favorito ao Oscar de Ator Coadjuvante). A história acompanha o jovem e ambicioso baterista Andrew (Miles) num conservatório de Nova York, sendo tutelado por um professor genial, porém feroz (Simons).

Uma produção independente que não tenta esconder sua pouca pretensão, pelo contrário, tira proveito de sua aparência de pequeno conto e deixa a história restrita a poucos personagens e a meia dúzia de cenários, belamente fotografados por Sharome Meir, assim favorecendo justamente as interpretações e, é claro, a música.

No miolo do filme está a conturbada relação entre mestre e pupilo, que verdadeiramente cria algumas das melhores interações que já vimos em tela. J. K. Simons parece ter encontrado no esquentado professor Fletcher o personagem que nunca antes em sua carreira havia recebido – dizem1 que a indicação de Simons para o papel veio do diretor Jason Reitman (Amor Sem Escalas, 2009), produtor executivo deste filme. Sua interação com Miles e o perfeito encaixe com o roteiro permite a Simons entregar uma interpretação a ser relembrada, de gestos e frases marcantes, criando um daqueles personagens raivosos com os quais é impossível não nutrir certa afinidade, tal qual o sargento Hartman de Nascidos para Matar (Stanley Kubrick, 1987) ou, mais recentemente, o doutor Gregory House, da série House (2004-2012).

Mesmo que isso revele certo sadismo de nossa personalidade, nada disso é sério, porque se há funções do Cinema, uma delas é permitir ao espectador sentir por um breve período de tempo coisas que na vida real não se pode ou não se permite sentir, como o prazer sádico de ver uma tortura psicológica de um professor sobre seu estudante, ambos ambiciosos e dispostos a tudo pelos seus intentos, numa história que, sabemos, trata-se de uma ficção.

Também vale a pena lembrar que esse filme presta um tributo à música, ao jazz e, mais especificamente, aos apaixonados por bateria. São muitas as referências musicais, desde a ótima seleção da trilha sonora, até pequenos causos contados pelo personagem de Simons sobre grandes nomes da música, como Charlie “Bird” Parker e Buddy Rich. Assim, é fácil perceber que por trás desse roteiro há muito respeito e admiração pelo tema abordado.

A história de Whiplash, segundo o diretor2, veio de suas experiências com professores de música tão carrascos quanto Fletcher, quando tocava no colégio e na faculdade. A trama foi apresentada pela primeira vez no formato de curta-metragem, que não contava com nenhum dos atores do longa. Feito para capitalizar recursos para a versão em longa-metragem, o filme demorou mais um ano até ser rodado na versão hoje disponível  – justamente por isso concorre ao Oscar na categoria de Roteiro Adaptado.

A tradução literal de “whiplash” para o português seria “chicotada” – nada mais adequado para uma história de sangue, suor, lágrimas e música. Uma narrativa de emoções e sensações que, justamente por isso, é muito bem executava para provocar emoções e sensações, sejam elas boas ou ruins, em sua audiência.

  1. Via Cinema Com Rapadura, Rapaduracast 408.
  2. Via O Globo.