Convocação a todos os leitores do #leiascifi2015! Como anunciado pelo Tuca semana passada, o próximo livro que discutiremos por aqui será A cidade &a cidade, de China Miéville, publicado no Brasil pela Boitempo no final do ano passado. Há ainda bastante tempo para quem quiser compartilhar a leitura conosco ao longo de todo o mês de maio – começamos oficialmente no dia 4. Então pegue na biblioteca, empreste, alugue, compre… não importa, leia conosco.

A divisão será mais ou menos assim (por capítulos, para contemplar todas as diferentes edições):

Semana 1 – de 4 a 10 de maio – Capítulos 1 a 6
Semana 2 – de 11 a 17 de maio – Capítulos 7 a 13
Semana 3 – de 18 a 24 de maio – Capítulos 14 a 21
Semana 4 – de 25 a 31 de maio – Capítulos 22 a 29

Isso, claro, para evitar spoilers nos comentários, mas quem quiser se adiantar fique à vontade. Aliás, caso queiram mandar textos sobre a discussão de alguma das semanas, basta encaminhar um e-mail para colaboracao@posfacio.com.br que ficaremos contentes de publicá-lo por aqui.

Para os indecisos, queria ainda apresentar um pouco de A cidade & a cidade, mas antes os anúncios do nosso editor:

Favor lembrar que a discussão de O homem do castelo alto ainda continua esta semana e que ainda teremos mais um texto cobrindo o final do livro. Avise também do encontro para todos do #leiascifi na biblioteca Villa-Lobos, em São Paulo, no domingo (26/04) às 16h. Ponto de encontro: naquele local de leitura circular que parece o helicóptero do Da Vinci.

 

Todos avisados.

Quanto ao livro do próximo mês, pergunto: o que leva você a embarcar numa leitura? É o hype de ver todas as pessoas comentando a respeito e carregando o mesmo livro nos vagões de metrô? Ou você abomina o hype  e prefere confiar na opinião dos amigos mais informados, aqueles que conhecem a árvore genealógica da literatura contemporânea? Ou confia na opinião dos amigos mais apaixonados, que se declaram longamente pelo autor, enquanto a comida esfria e o sorvete derrete? Ou só confia mesmo na própria intuição e prefere espiar a orelha do livro para, sabendo um pouquinho do tema, decidir se deve gostar ou não dessa história?

Pensando em tantos tipos diferentes de leitores, fiz três seções distintas de recomendações sobre A cidade & a cidade. Escolha aquela(s) que for mais ao seu gosto.

 *

Sobre o que dizem os jornais e os críticos

Se você procurasse artigos de jornais sobre A cidade & a cidade, seria informado que Miéville escreve um tipo de “fantasia” totalmente diferente de Tolkien. Porque Miéville se afasta do modelo “elfos + anões” e porque tem tendências marxistas (fora com os pequenos hobbits conformados em suas propriedades rurais). Os jornais até gostam de lembrar que Miéville ajudou a fundar um partido de extrema esquerda na Inglaterra.

Você provavelmente aprenderia também que Miéville foi um contumaz jogador de RPG. Que foi um dos principais nomes do movimento literário chamado “New Weird”, que se inspirava nos clássicos de H. P. Lovecraft e Mervyn Peake. Mas alguém atento diria que o weird ficou para trás, e chamaria a literatura de Miéville de “surrealismo urbano”; sua principal preocupação parece ser a vida na cidade moderna, filtrada através de sonhos e pesadelos.

Você veria o escritor Michael Moorcock colocar Miéville como o principal herdeiro de uma tradição que inclui J. G. Ballard e M. John Harrison. Embora, ao menos no caso de A cidade & a cidade, o próprio autor ressalte os ficcionistas do Leste Europeu:

Não estava pensando em Borges, de forma consciente, quando comecei a escrevê-lo, mas, naturalmente, ele é um escritor incontornável, no qual não se pode deixar de pensar. Kafka, diria, era uma referência mais imediata. Diria ainda que estariam mais próximos dois outros autores: Bruno Schulz e Alfred Kubin.

 

Você certamente seria informado de que o livro ganhou muitos prêmios, incluindo o Hugo, o World Fantasy e o Arthur C. Clarke.

Por fim, antes de se decidir a ler o livro, você teria a sua frente a inteligente descrição de Moorcock:

Subitamente, quase casualmente, Miéville constrói uma metáfora para a vida moderna na qual nossos hábitos de “desver” nos permitem ignorar aquilo que não afeta diretamente nossa vida cotidiana. Ainda assim, ele não nos encoraja a entender seu romance como uma parábola, mas como um mistério policial que lida com circunstâncias extraordinárias. O livro é uma ótima e viciante investigação policial na tradição de Philip K Dick, que se abre gradualmente em algo maior e mais significativo do que originalmente suspeitáramos.

 

Sobre o que dizem os apaixonados

Em volta de uma mesa, um conjunto de leitores aficionados por A cidade & a cidade tenta convencer você a lê-lo, sem estragar as surpresas:

O leitor segue o personagem principal, um detetive policial, enquanto ele investiga um assassinato. À medida que ele descobre mais sobre a morte, as pistas podem levar a um mistério e uma conspiração maiores. Descobrir todas as peças do quebra-cabeça junto com o detetive é parte da diversão.1

O ritmo é perfeito. Somos apresentados gradualmente à cidade e à cidade e seus habitantes, e então, por volta de dois terços do caminho, a narrativa entra em alta velocidade. Tudo que pensávamos saber vai pelos ares nesse ponto.2

Aos poucos, o entusiasmo se expande:

Eu adoro a imaginação sem limites dele, a capacidade de facilmente fazer com que uma premissa absurda pareça real, a habilidade de transformar qualquer cenário ou lugar num verdadeiro protagonista.3

China Miéville está para a ficção moderna como o The Clash está para a música da sua época: revigorante, animado, vibrante, potente, difícil, perigoso, incompreendido e, acima de tudo, original.4

Alguém pensa que talvez você tenha preconceitos literários:

Nem tanto ficção científica ou fantasia, A cidade & a cidade é mais mistério e estudo psicológico/sociológico, espiando a maneira como em nosso próprio mundo tendemos a ignorar aquilo que não nos afeta diretamente. Aqueles leitores que fogem de rótulos como “ficção científica” e “fantasia” deveriam ignorar o impulso de passar longe do livro.5

Se você leu outros livros de Miéville, sabe que ele é um mestre na descrição de ambientes urbanos e em dar a cidades ficcionais uma realidade tangível aos seus leitores. Ele não desaponta neste livro. Quando você tiver terminado, vai sentir como se tivesse vivido nessas cidades que são ao mesmo tempo familiares e alienígenas, Beszel e Ul Qoma.6

Pra terminar a discussão, alguém decide ser mais enfático:

COMPRE O LIVRO e APROVEITE. Pelo amor de Deus, um dos melhores “escritores de fantasia scifi” conseguiu escrever um dos melhores romances modernos de detetive da década (e já li muitos deles).7

(Ok, só lembre que também dá para tirar na biblioteca, etc.)

 

Sobre o que se pode descobrir em uma orelha

Você passeia pela livraria e vê uma capa nova na seção de lançamentos.

Capa Cidade Mieville

Talvez o nome “China Miéville” ressoe em sua memória, talvez você se sinta atraído pela capa com estilo Blade Runner. Você pega o livro e resolve ler a orelha, assinada por Ronaldo Bressane:

Olhe à sua volta: existe outra cidade dentro da sua cidade, mas você não está vendo. Fronteiras são mais leves do que o ar; há cidadãos invisíveis a você — você mesmo é invisível a determinadas pessoas. O que é uma cidade, o que é uma nação, até que ponto um lugar compõe a sua identidade?

Um livro de filosofia? Um livro socialista? Tipo Zygmunt Bauman?

Essas são algumas questões com que se depara o detetive Borlú ao investigar o estranho assassinato de uma jovem na cidade de Beszél — que também pode ser a cidade de Ul Qoma.

Um livro de detetive existencialista? Se passa no Leste Europeu? No Oriente Médio?

[…] Miéville propõe que a cidade de Beszél exista no mesmo espaço que a cidade de Ul Qoma. Administrados por uma monolítica autoridade chamada Brecha, os cidadãos aprenderam a “não ver” os “vizinhos” da outra cidade — sob pena de serem multados ou presos: as cidades têm até aeroportos, códigos telefônicos, links de internet, línguas e alfabetos diferentes.

Tipo Italo Calvino? Isso faz sentido? Miéville bateu a cabeça/é um gênio?

 […] lembrando o desfecho do conto “O jardim de caminhos que se bifurcam”, de Jorge Luis Borges — autor a quem, sem favor, Miéville tem sido comparado (assim como ocorreu com K. Dick) —, os fatos podem acontecer e não acontecer simultaneamente no extraordinário final de A cidade & a cidade. Agora dê outra olhada à sua volta: você está onde de fato acha que está?

 

Bauman mais Calvino mais Borges mais K. Dick. Seus neurônios já fizeram o cruzamento e decidiram se você quer ou não ler A cidade e a cidade.

*

p.s.: se quiser começar, há dois capítulos disponíveis para degustação nesse link.

  1. Review de J. Zeh na Amazon.
  2. Review de Nathan Andersen na Amazon.
  3. Review de Natalya no Goodreads.
  4. Review de Lyn no Goodreads.
  5. Review de Stephen no Goodreads.
  6. Review de Stefan “Stefan” no Goodreads.
  7. Review de Ifeoluwapo no Goodreads.