Aos que esperavam corpo mole posfaciano e ganhar uma semaninha de descanso (“ah, se não teve texto na semana passada, eu posso protelar um pouquinho essa leitura”) lamento informar, mas aqui não é assim. Se quiser dormir no meio da palestra sobre “estratégia, em grego strateegia, em latim strategi, em francês stratégie”, vai acordar com um belo dum incentivo pra manter os olhos pregados. Só não será granada destravada: é texto duplo mesmo – falarei tanto sobre os capítulos 14-21 (semana 3) quanto a respeito dos 22-29 (semana 4).

Não nego que isso seja bom no caso de A cidade & a cidade: afinal, quem conseguiria parar de ler ao final do capítulo 21, apenas para esperar os coleguinhas comentarem? Eu mesmo, quando fui ler, foi de uma vez só.

Mas me adianto.

Semana #3 – A revelação (Ou “Como inserir novos fatos sem provocar indignação”)

Gigio foi mais do que sabido1 quando inventou uma apostila para a escola de roteiristas de histórias de detetive. Quem viu a lista de tópicos e leu o livro nem imagina que o texto foi escrito sem o resenhista dar uma olhadinha no final do livro.

A entrada de Borlú em Ul Qoma é a ocasião perfeita para não apenas vermos novos personagens (Dhatt, Yolanda, Bowden, Aikam, Jaris) e descobrirmos em que estão metidos, mas também para o narrador da história ampliar o olhar, podendo finalmente encarar a cidade que era obrigado a desver na primeira parte do romance. A mudança nos põe no lugar do inspetor: não bastasse a dificuldade de imaginar como deveria ser ignorar tudo que não fosse Besźel, imagina não poder mais ver tudo que lhe era costumeiro só porque você está em outra cidade? Não sei como ficaria num filme, mas uma hora eu comecei a “ver” claramente como seria a situação.

Ficamos sabendo mais sobre a relação entre as duas cidades (questões políticas e sociais) e sobre o livro Entre a cidade e a cidade (praticamente um pedido de comparação do China com o PKD), que parece indicar a causa da morte de Mahalia e do desaparecimento de Yolanda: a possibilidade de existência de uma terceira cidade – Orciny –, em guerra contra a Brecha. Imagina uma cidade cujos habitantes fariam de tudo para permanecerem escondidos?

Borlú não sabe no que acreditar, mas toma a decisão de salvar Yolanda e Bowden levando-os para o seu território quando… tiros.

Semana #4.1 – A perseguição (Ou “O que fazer para criar a sua própria cena de correria louca”)

E as definições de “perseguição” foram atualizadas. Imagina ter de perseguir alguém por uma cidade (ainda) estranha enquanto se esforça para não criar uma brecha? Borlú pensa que foi bem-sucedido até o momento em que “– Brecha – e alguma coisa me tocou e eu caí na escuridão, para além do despertar e de toda consciência, ao som daquela palavra.”

Chegamos naquela parte do tabuleiro em que somos obrigados a voltar uma casa, antes da próxima perseguição. Mas voltamos de bom grado ao tópico “A revelação”, pois Borlú nos leva escondidinhos a entender (?) melhor o que é a Brecha. E que coisa esquisita ela é – seus componentes se apoiam numa linha tênue entre o humano e o fantasmagórico. E que coisa linda é ver o mundo por meio dela: contemplar Besźel e Ul Qoma e tudo que há entre as cidades, sem precisar desver coisa alguma. Há algo de poesia nisso. Dá para entender as comparações com Borges.

Finalmente, somos levados, no penúltimo capítulo, à perseguição mais lenta e esquisita da história. Bowden, com um artefato-MacGuffin na mão, escapando de ser preso pelas forças policiais de ambos os lados por técnica e oficialmente não estar sob a jurisdição de nenhuma das cidades. Até que Borlú intervém e com isso sela seu destino e muda de emprego.

Semana #4.2 – O fim: (Ou “Juntando todas as pontas – ou não”)

Quando reclamei da falta de sabres de luz em O homem do castelo alto – aliás, o link para o vídeo está aqui –, não quis negar a importância de que uma obra não pareça ficção científica a fim de conquistar o leitor que ainda a vê com algum desdém. Temos aqui um livro que pode agradar ao leitor que gosta de uma boa trama policial, àquele que curte algo bem pensado política e sociologicamente – a relação entre as cidades é peculiar e estranha, mas, ao mesmo tempo, familiar a quem está atento aos jornais – e também ao cara que quer ver mundos e vidas diferentes dos nossos.

Eu não costumo ser o leitor do meio, mas fiquei satisfeitíssimo em todos os aspectos. Quero mais China na minha vida! E você? O que achou do final? Queria saber mais sobre a Brecha? Ou se decepcionou por Orciny não existir? Conta aí pra gente.

Nos vemos no próximo clube de leitura, lendo Ursula Le Guin em “A mão esquerda da escuridão”. :Até lá. )

  1. Aliás, é a segunda vez que escrevo sobre o livro do China logo após um texto brilhante do Gigio. Uma honra, mas espero que ninguém esteja comparando.