Armando criou a primeira de suas traduções livres do búlgaro para o português durante o verão de 2014. Conversava então com uma jovem búlgara (ele mesmo custava a acreditar nisso, pois os interesses dela lhe pareciam atípicos demais para uma mulher, do país que fosse) quando ela reencaminhou uma imagem por acidente. Na foto, viam-se lado a lado dois homens que ele não conhecia. Estavam abraçados, e o da esquerda sorria enquanto o da direita o fitava com uma expressão ao mesmo tempo serena e algo selvagem. Como um animal protegendo a cria, ou se preparando para dar o bote sabendo que não há chance de falhar. Uma série de caracteres (ele deduziu serem letras) sobrepunha-se ao canto superior da imagem. Isso, pensou ele, é búlgaro. O layout da foto era linguagem universal: ele soube de imediato que estava olhando para um meme. A graça, presumiu, estava no contraste entre as expressões dos dois homens.

“Quem são esses caras?”, Armando perguntou a Yuliana. Enquanto esperava pela resposta, abriu outra aba do navegador. Não havia como buscar por aqueles caracteres: era impossível copiar o texto da foto para descobrir o alfabeto e buscar os caracteres, um por um, seria muito trabalhoso. Preferiu buscar pela imagem, cuja fonte era uma agência internacional de notícias. Na legenda, descobriu a identidade dos dois homens: Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Víktor Yanukóvytch, mandatário da Ucrânia. Em seguida, o sinal de alerta do chat piscou em amarelo. Yuliana:

“Ah, é difícil de explicar.”

E em seguida:

“É um trocadilho em búlgaro, não sei como traduzir pro inglês.”

Um pouco por tédio, um pouco por vontade de impressionar, ele abriu a janela do Photoshop e substituiu a frase original por um texto em português: “ame alguém que cuida do seu sorriso como esse cara cuida do seu amigo”. Então salvou a imagem e encaminhou para Yuliana.

“Fiz uma versão em português.”

“Nossa, você já está quase falando búlgaro! Haha. Língua linda a sua! Agora é verão no Brasil né? Bem que você podia me ajudar com uma passagem pra gente curtir umas praias juntos… Eu sempre quis usar esses biquínis brasileiros haha”.

Contente por ter descoberto sozinho quem eram aqueles homens e satisfeito por ter criado um meme com ares exóticos e referências inesperadas, uma brincadeira deveras sofisticada, cosmopolita, mesmo, Armando decidiu postá-la no fórum /noticiaslivres. Ele jamais havia acessado a página, mas um colega do mercado financeiro o mencionara como um espaço para o debate de ideias, onde pessoas de pensamento libertário discutiam, longe das amarras do politicamente correto, o que de fato interessava no mundo, à revelia do que a grande mídia empurrava goela abaixo das massas semianalfabetas (essas haviam sido as palavras exatas, ele lera várias vezes até decorá-las), e que lhe parecia mesmo o espaço adequado para aquela brincadeira. Criou uma conta com o nome Diego Corrêa, vinculado ao e-mail falso que utilizava para cadastros diversos, e postou a imagem. Quinze minutos depois, não havia nenhuma reação à sua publicação. E fechou a aba.

Talvez tudo acabasse aí se, no dia seguinte, a Rússia não houvesse invadido a Crimeia. Muitos frequentadores do fórum viram no ato uma represália de Putin à deposição de Yanukóvytch no ano anterior. Não demorou para alguém se lembrar do meme de Diego, uma brincadeira que ganhava nova relevância à luz dos fatos. Quem era o novato misterioso? Algum dos veteranos fazendo uma brincadeira?

Armando ainda demorou um tempo para ficar a par do ocorrido. Somente algumas noites depois, quando sua mãe assistia ao noticiário à mesa de jantar, o jovem reconheceu o rosto de Putin na TV e retornou ao fórum, confiante de que agora encontraria alguma repercussão. Deparou-se com diversas respostas, encabeçadas pelo comentário: “nossa, belo timing”. Envaidecido, respondeu: “recebi da minha namorada búlgara e resolvi traduzir pra vcs”. “vc fala búlgaro?”, questionou o autor da primeira pergunta. “claro”, ele respondeu sem pestanejar, e ajustou o canudinho na lata de refrigerante.

A partir dali, “Armando Silva, home broker” (como constava em seu cartão de visitas), assumiu uma segunda identidade restrita ao âmbito digital: “Diego Corrêa, tradutor de búlgaro”. Às vezes, esperando a abertura do pregão, criava, entre um gole e outro de achocolatado, traduções livres a partir das notícias que Yuliana, sua namorada (ela agora se deixava chamar assim), encaminhava sob demanda. Em um primeiro momento, até cogitou estudar o idioma em um aplicativo para smartphone, mas esbarrou outra vez naquele alfabeto impenetrável. E, afinal, em time que está ganhando não se mexe: Diego era safo, sabia se virar para deduzir as notícias a partir das imagens, do tom que inferia a partir da mancha dos caracteres, da extensão do texto. No fórum, os pedidos se tornaram comuns. As ferramentas de tradução automática do búlgaro para o português eram precárias, deviam passar por outros dois ou três idiomas antes de chegarem ao destino final, e os usuários preferiam contar com a ajuda de um especialista.

Quando se dispunha, claro. Ele fazia aquilo como favor, sem ser remunerado, de modo que se sentia à vontade para ignorar pedidos de tradução se os solicitantes não ofereciam pistas sobre o conteúdo. Aos demais, respondia no ritmo que sua atividade de compra e venda de ações permitia, lembrando sempre aos leitores do fórum que aquilo era a sua atividade paralela, um hobby. Cobranças de qualquer natureza eram uma descortesia. Não existe almoço grátis, dizia o lema do fórum. Só em casa de amigo. Para quem não era amigo, ele teria todo o prazer em emitir um orçamento; para quem era, bastava a gratidão e o reconhecimento.

Havia quem criticasse o seu trabalho. Um sujeito que alegava ter morado em Sofia por dois anos se disse confuso com uma de suas traduções. “Entendo a boa vontade do amigo,” escreveu anônimo, “mas o texto em pouco ou nada se assemelha ao que está sendo discutido ali. A matéria trata de uma reforma no parque Czar Boris. Donald Trump não é elogiado, nem mencionado em nenhum momento”. Armando, que àquela altura já tinha o fórum como página inicial do navegador, foi o primeiro a responder: “E 2 anos são lá suficientes pra aprender um idioma como o búlgaro? O senhor é q devia rever o q sabe… ou acha q sabe”. Ele logo recebeu o apoio de outros usuários que, com o passar dos anos, haviam se tornado seus amigos (tinham um grupo no WhatsApp). Todos ali respeitavam seu trabalho, visto como essencial para a construção das ideias que levariam a um novo Brasil. Por isso, não economizaram nos xingamentos, e o suposto ex-morador de Sofia nunca mais foi visto por ali.

Também surgiram algumas tentativas esporádicas de concorrência. Certa feita, uma internauta que se fazia passar por búlgara postou: “Olá irmãos. Está aprender português companheira do faculdade de filha Portuguesa. Interesse tenho em conhecer mais de vocês cultura, porventura mostrar mais bulgária por vocês. Falo romeno, porventura entendam. Fico disponível por discussão.” Mas Armando estava sempre atento para casos como esse. Reconhecia ameaças ao seu trabalho com a mesma perícia exibida em seu trabalho de tradutor. Disso se gabava. “Que tipo de estudante de português é esse que confunde romeno com nossa língua?”, disparou. “Português é língua latina. Greco-romana. Indo-europeia. Tem nada a ver com eslavos”. O pedido de desculpas da impostora veio alguns dias depois, em um portunhol que ele achou esquisitíssimo. Ela atribuía eventuais ofensas ao seu pouco domínio da língua, e admitia que sua participação no fórum fora um erro. “Esses caras do leste se acham no direito de chegar invadindo qualquer lugar para fazer o que bem entendem”, alguém respondeu. “É a herança dos anos soviéticos…”, alguém complementou. A falsa búlgara nunca mais apareceu por ali, e o fluxo das traduções de Armando seguiu seu curso de antes.

A comunicação com Yuliana permaneceu inalterada. Ainda no início de sua carreira de tradutor, ele mencionara sua intenção de trabalhar com alguns textos búlgaros e pediu a ela indicações de sites de notícias. Teve o cuidado de pontuar que não se sentia seguro para falar com ela no idioma, porque ainda engatinhava em seus estudos. Chegou a ensaiar em seus pensamentos a melhor forma de explicar que seria difícil, quase impossível a tarefa de encontrar um teclado com aquele alfabeto no Brasil. Mas o pedido não veio naquele ano, nem nos seguintes, e o inglês continuou a língua oficial entre os dois.

Em 2016, na semana seguinte à tentativa de golpe na Turquia, Armando decidiu abrir uma conta no Twitter. A ideia partira de Yuliana, que demonstrou certo cansaço diante dos pedidos constantes por links de notícias locais da repercussão do ocorrido em solo búlgaro, acompanhados de resumos em inglês. Ele logo acatou a ideia e adotou como foto de perfil uma imagem da catedral de Santa Sofia em um dia ensolarado, a primeira que encontrara no Google. Orientado pela namorada, passou a seguir uma porção de políticos búlgaros e alguns jornais locais. Sob o nome de usuário @diegobulgaria, reproduzia postagens desses figurões filtrando-as conforme o número de curtidas, intercalando-as com alguns comentários pinçados de suas traduções livres a fim de reforçar o direcionamento ao público brasileiro. Também oferecia links para as traduções publicadas no /noticiaslivres. No fórum, divulgou sua conta e angariou já no primeiro dia sua primeira centena de seguidores. Com a consolidação dessa base fiel, o perfil passou a andar por conta própria.
De vez em quando ainda espocavam críticas às suas traduções. No princípio ele apenas as ignorava. Mas um dia, irritado pela queda das ações de uma mineradora que compunha uma parcela considerável de sua carteira, decidiu reproduzir uma em seu próprio perfil acompanhada do comentário “kkk esse aí pelo visto sabe mais que o tradutor…”. A enxurrada de “#mitou”, “pisa menos” e “o berro que eu dei” converteu esta reação em seu procedimento padrão, e os questionamentos diminuíram na mesma proporção do crescimento do número de seguidores. Quando alguém insistia em questioná-lo, Armando bloqueava e silenciava, logo após expor ao escárnio público.

Os convites para palestras e conferências sobre a conjuntura búlgara começaram a surgir mais ou menos na mesma época. Eram eventos de pequeno porte, em geral organizados por diretórios acadêmicos de cursos de relações internacionais, que se desculpavam por não possuírem recursos para oferecer passagem e estadia, mas “se acaso o senhor estiver pela região nós podemos providenciar hospedagem na residência de…” Armando declinava os convites com polidez, utilizando sempre o mesmo modelo que tinha salvo nos rascunhos de seu e-mail paralelo. Em um caso ele chegou a aceitar o convite de uma instituição de ensino na cidade onde morava. Preparou-se relendo todo o seu arquivo de notícias traduzidas e estudando cuidadosamente a página da Wikipédia em inglês, mas acabou voltando atrás já na semana do evento ao saber que o curso era de EAD. Pediu desculpas pelo equívoco de sua parte. Não sabia que a palestra seria gravada, e prezava muito por sua privacidade.

***

Embora não houvesse método por trás dessas evasivas, elas ajudaram a criar certa aura de inacessibilidade em torno dele. Muitos ponderavam se Diego Corrêa era seu nome verdadeiro, pois a ausência no sistema Lattes indicava se tratar de um pseudônimo. Também podia ser um homem de idade avançada, pouco familiarizado com as urgências da internet (suas traduções, afinal, não chegavam com dias de atraso em relação às notícias originais?), que postava com a ajuda de um filho, um sobrinho, talvez um neto.
Essa impossibilidade tão elementar de contatar aquela que despontava como a principal referência de um idioma sem tradição acadêmica no Brasil levava editores politicamente incorretos que frequentavam o /noticiaslivres a se lamentarem entre um copo e outro de uísque. Assim era difícil romper com a mesmice de nosso mercado literário, trazer os caras que eles não querem ver publicados aqui. Quem seria o Homero, a Ayn Rand da Bulgária? Se alguém sabe, só pode ser o Diego. Mas o cara passa semanas sumido no fórum. Não responde e-mail, não fala dos projetos dele. Intelectual tem dessas coisas…
O séquito de Diego no Twitter lamentava sua ausência em eventos públicos e sua inserção no circuito acadêmico, que atribuíam falhas inerentes ao sistema das universidades públicas. O silêncio ensurdecedor em torno do tradutor era tanto que alguns sequer conheciam a sua formação. Letras, talvez? Um defensor dessa hipótese mencionava livros obscuros supostamente traduzidos nos anos 1960; um estudioso da literatura eslava chegara a propor um levantamento dessa produção, mas o projeto esbarrara nas panelinhas dos departamentos universitários que usavam a falta de recursos para novas bolsas como desculpa. Ou então Comércio Exterior? Circulava uma história de que seus familiares possuíam terras no Norte, em Rondônia, ou em Roraima, de onde exportavam carne bovina à sua terra de origem. Mas mesmo esses dados eram incertos: como explicar uma ligação com o Norte, se havia praticamente consenso de que ele nascera no Paraná e concluíra seus estudos em Minas Gerais – ou no Espírito Santo.

A duração e a natureza de sua estadia na Bulgária também eram incertas. Os editores politicamente incorretos que bebiam uísque alguns parágrafos acima conjecturavam que talvez Diego fosse búlgaro de nascimento. Isso explicaria não só o estilo cru de suas traduções jornalísticas, mas também as escolhas ortográficas heterodoxas em sua conta no Twitter. Mesmo dentre aqueles que tiveram acesso ao texto bastante completo no qual o tradutor dava detalhes de sua vida profissional e acadêmica (perdido em outubro de 2017, junto com tantos outros, durante uma migração de servidor do /noticiaslivres) havia muitas divergências. E, não devemos esquecer, a opinião destes últimos tinha um peso especial, por se tratar de um seleto grupo de pioneiros que já acompanhavam aquela jornada tradutória de caráter tão constante e independente quando ninguém estava prestando atenção.

Corrêa era, segundo o colunista de um grande jornal, como o dia-a-dia da Bulgária: sempre uma incógnita. Devíamos agradecer que essas incógnitas se anulassem durante encontros casuais, por mais breves, em vez de perdermos tempo tentando entender o que não pode ser entendido.

***

Armando vivia alheio a tudo aquilo. Se ao princípio as traduções haviam sido uma forma de autoafirmação, hoje ele as encara apenas como uma demonstração de sua própria versatilidade. Quando 2019 começou com a promessa de ser o melhor ano de sua vida, ele já não via mais muito sentido em traduzir. É verdade que se afeiçoara aos colegas do fórum, e deixara se contaminar por seu otimismo em relação aos novos ventos que vinham soprando dentro e fora do país. Suas traduções livres refletiam isso ao adotar um tom cada vez mais otimista. Fosse no Brasil, fosse na Bulgária de Diego, as coisas estavam melhorando. Tinha tudo para dar certo.

Armando também prosperava no âmbito pessoal. Nos meses anteriores, ganhara com a compra e venda de bitcoins o suficiente para compensar o déficit que acumulara na bolsa em quatro anos. Enfim tinha dinheiro suficiente para trazer Yuliana ao Brasil. Ansiava por vê-la em movimento, por ouvir sua voz; coisas tão singelas, mas que esbarravam na aversão dela a câmeras e microfones. Após resolver a questão das passagens, já pensava em colaborar com o aluguel, contemplando a possibilidade de virem a morar juntos.

Sua derrocada teve início em uma tarde de agosto, no exato dia em que ele transferiu para Yuliana a última parcela para quitar o bilhete aéreo. Enquanto esperava o horário marcado para conversarem on-line, ocupou-se com o relatório trimestral de uma produtora de alimentos da qual era acionista. Nunca tivera o hábito de ler os arquivos enviados por sua corretora todos os meses, mas fora convencido por seu sucesso recente no mercado financeiro de que estava na hora de dar passos mais largos. Se queria ser um grande investidor, precisava antes pensar e agir como um grande investidor. Ao ler o prognóstico para os balanços seguintes, concentrou-se em decifrar as variáveis capazes de influenciar a exportação de soja nos meses seguintes. Armando não tinha certeza se aquela empresa em particular estava focada na produção de soja, nem se estava voltada para o mercado externo. Anotou um lembrete para pesquisar sobre o assunto em um adesivo que colou no canto direito de seu monitor.

Vinte minutos mais tarde, Yuliana ainda não tinha aparecido on-line. Estava tudo bem? Já havia passado um pouco do horário combinado. A empolgação de Armando crescia – dentro de uma semana, enfim, estariam juntos. Tantos anos de espera… Até marcou um happy hour com alguns colegas do mercado financeiro, e todos confirmaram que tentariam aparecer. Brincava com a ideia de voltar ao /noticiaslivres e de fato comparecer, de surpresa, em um dos encontros presenciais do fórum. Seria incrível ser visto pelos colegas ao lado daquela mulher, com quem muito provavelmente – não, efetivamente! – já estaria morando. Diego, tradutor de búlgaro, e sua esposa búlgara. Uma cervejada de respeito. Será que ela gostava de cerveja?

Mais dez minutos. Ele abriu o Twitter em uma nova aba para dar vasão à ansiedade. Conferiu as notificações: catorze novos seguidores, alguns RTs, mensagens que não pretendia abrir. Um velho conhecido do /noticiaslivres indicava “o maior especialista em búlgaro do país, e sem ideologia – já está na hora de nosso chanceler convidá-lo para falar aos formandos do Rio Branco”. Ele sorriu: provavelmente foi essa a motivação para os novos seguidores. Na notificação seguinte, um usuário questionava a precisão de uma notícia traduzida duas semanas antes. Armando bloqueou o usuário sem fazer chacota. Conferiu de forma panorâmica as postagens recentes de outros usuários, com dificuldade de focar sua atenção em algo.

E então ele viu. Um deputado, ao que parece (ele não sabe ao certo se a Bulgária tem regime parlamentar), divulgara uma notícia em búlgaro. O link era ilustrado por uma foto do presidente brasileiro. Armando clicou e abriu o site: alfabeto cirílico, uma plantação (talvez milho), um caminhão cheio de toras de madeira em uma estrada de chão. Armando olhou para o adesivo no canto da tela. Soja! Só pode ser soja! Soube na hora como reagir. Abriu o fórum e começa uma nova postagem:

[TRADUÇÃO: Bulgária ameaça cortar importação de soja do Brasil]
Em um aviso do presidente, a Bulgária disse que não tem mais intenção de importar soja do Brasil caso o país não cesse de derrubar florestas para plantar o grão que vende à Bulgária. O governo demonstrou interesse em comprar sua soja de outras fontes, como Argentina e Estados Unidos, caso não cesse a derrubada ilegal de madeira na Amazônia e ao redor. A mensagem oficial foi divulgada em um programa da TV Bulgária e deve interferir com a política brasileira.

A velocidade da repercussão pegou Armando de surpresa. Em poucos minutos, sua conta no /noticiaslivres foi suspensa e seu IP, bloqueado. Sem entender, ele ativou o VPN para ler algumas respostas à postagem:

“mais um comuna infiltrado galera”.

“esse ficou anos aí mas só enganou troxa, na moral”.

“o carinha la ja ate denunciou que ele n falava búlgaro, so caiu de novo nessa quem queria”.

“falava bulgaro sim, so ler as notícias e tirar as proprias conclusoes… agora, sl, pra falar búlgaro… vcs devem saber parente de quem ele eh”.

“sei nao, fica semanas sem dar as caras aqui e vem com esse papo… pra mim foi hackeado, como o ministro. tem q avisar no twitter.”

Meia hora mais tarde, Armando leu no Twitter a publicação de um editor politicamente incorreto, desses que bebem uísque ao longo do conto e de quem era seguidor: “Pessoal, infelizmente o nosso respeitado Diego Corrêa também foi vítima de hackers… Mais uma maquinação da oposição… Ajudem a denunciar”.

Uma hora mais tarde, Armando constatou que sua conta no Twitter havia sido suspensa. Agora que passaria a morar com Yuliana, talvez fosse mesmo um bom momento para largar o fórum e as redes sociais para focar no trabalho e em seu relacionamento. Quem sabe ele até não aprendia a falar com ela…

Duas horas mais tarde, uma influencer conservadora postou em seu Facebook a biografia resumida e não autorizada de Diego Corrêa, tradutor do búlgaro, começando por sua formação na antiga União Soviética e culminando no seu envolvimento na articulação de guerrilheiros cubanos que viviam disfarçados de médico no interior da Bahia. “Todo cuidado é pouco, eles estão em toda a parte”, alertava.

Três horas mais tarde, Armando percebeu que não conseguia mais acessar a conta de seu e-mail. Não o e-mail paralelo, usado por Diego Corrêa. O e-mail pessoal, por onde recebia da imobiliária o boleto do aluguel. A imagem desse mesmo boleto endereço, nome e CPF de sua mãe viralizou no Twitter e virou trending topic na Bielorússia após ser divulgada por um youtuber com meio milhão de seguidores.

Quatro horas mais tarde, a mãe de Armando bateu à porta do quarto aos risos, comentando que uma vizinha enviara no WhatsApp a foto de um homem sem camisa empunhando um fuzil nas ruas de Caracas e ameaçava atirar em manifestantes pacíficos. “Ela achou que fosse você porque até o sobrenome é igual, mas olha, é um cara sarado, todo fortinho! Falei pra ela, você nunca nem saiu do Brasil!”.

Cinco horas mais tarde, Armando escutou um estampido no telhado de sua casa e pensou sentir cheiro de gasolina. Yuliana ainda não estava on-line.